Manuel Vieira de Sousa
Manuel Vieira de Sousa
Face às manifestações divinas da vontade de construção dum templo em homenagem a Nossa Senhora do Loreto, o povo sentiu-se entusiasmado para começar as obras. De facto, havia orago, havia local e vontade de trabalhar em prol do objectivo comum. No entanto, um dos anciãos comentou:
– Como é que vamos fazer? O que vamos fazer? Por onde começamos? Quem vai orientar os trabalhos? E, sobretudo, quem tem conhecimento e competência para orientar e dirigir os trabalhos?
– É verdade! É bom que tenhamos todos em conta que para um barco sem rumo, não há vento favorável! – sentenciou Manuel de Sousa, feitor do Senhor João Gonçalves da Câmara, dono das terras da Calheta. D. João Gonçalves da Câmara era o capitão donatário do Funchal, por sucessão de seu pai, João Gonçalves Zarco, e marido da senhora D. Joana d’Eça, dama de rainha D. Catarina, esposa de D. João III, rei e senhor das terras de Portugal e dos Algarves, de cognome o Piedoso.
– Tomarei o encargo perante vós de fazer chegar aos ouvidos do nosso amo e senhor a situação e a vontade desta povoação para honrar e prestar homenagem a Nossa Senhora do Loreto.
Foi assim que D. Joana d’Eça soube do sucedido. Logo que possível fez questão, segundo missiva feita chegar ao feitor, de se empenhar pessoalmente em levar a bom termo esta cruzada. Para tal, foi contactado o melhor pedreiro, Mestre Gil Enes, homem avançada idade e, por isso, de experiência e conhecimentos confirmados em obras da ilha, com destaque para a Sé Catedral do Funchal.
Para os trabalhos de madeira, o próprio Manuel de Sousa encontrou um carpinteiro, João da Câmara, acabado de chegar de Portugal, mais concretamente de Braga, e que, segundo o próprio afirmava, tinha trabalhado nas carpintarias de muitas das igrejas daquelas redondezas.
Encontrados os principais orientadores e responsáveis pela construção da ermida foi dado conhecimento ao povo que se comprometeu a trabalhar sob as ordens daqueles mesteres.
O primeiro dos trabalhos foi conseguir uma habitação com as condições mínimas que permitissem aos dois pernoitar perto das obras e assim poder acompanhar a sua evolução e passar as instruções para o prosseguir os trabalhos.
Alguns meses após o aparecimento da estatueta da Virgem, estavam criadas as condições para iniciar os trabalhos de construção da capela em honra de Nossa Senhora do Loreto. E entre festas e convívios para celebrarem o momento, eis que surge um diferendo. No meio da alegria do momento entre tão nobre gente e uns copos, surge uma provocação:
– Sendo que os mestres são tão garbosos na vossa mestria, qual de vós reproduz melhor, o pedreiro na pedra ou o carpinteiro na madeira?
Foi a euforia! Todos foram repetindo à exaustão e a plenos pulmões:
– Quem é o primeiro? O carpinteiro ou o pedreiro?
Depois de se acalmarem os ânimos, ambos os artesãos, com garbo, defenderam os seus materiais e as suas mestrias:
– No final da obra, ver-se-á quem melhor perpetuará o seu mister! Mas sem dúvida que a pedra será a melhor! – lançou mestre Gil Enes.
– Aceito o desafio! Mas o futuro tirar-te-á o pio! – respondeu o carpinteiro Manuel Sousa.