Isabel Cristina Camacho
Isabel Cristina Camacho
Outubro já começara e iam aparecendo as primeiras chuvas. A barra da serra, tinha crescido e as folhas da vinha, “abicadas” pelo vento formavam um tapete de cores harmoniosas, nos terreiros, de calçada desordenada, que a minha mãe ia varrendo com uma vassoura de urze seca. Era o tempo dos peros e maçãs maduras, do aroma da erva seca e da terra molhada.
A escola estava prestes a começar e a minha mãe tinha ido à cidade no “horário” da manhã para comprar cadernos, sapatilhas e meias daquelas de raquetes para os meus irmãos que já sofriam por antecipação o regresso às “enfadonhas” aulas.
Eu, já não voltaria à escola!
Tinha 12 anos, havia completado o 2º ano da Telescola, (atual 6º ano), na escola do Centro do Curral das Freiras, com excelentes notas, diga-se, e não havia possibilidade de prosseguir os estudos .
Um golpe na vida de uma adolescente que gostava de aprender, até a professora Luísa que acumulava as disciplinas de matemática, ciências e educação física, escreveu uma carta a tentar persuadir o meu pai a deixar-me continuar na escola. No lugar dos meus pais e naquela época, talvez tivesse tomado a mesma decisão!
Uma pequena de 12 anos, que teria de sair de casa antes das 06:00h, noite cerrada, caminhar por veredas e caminhos durante uma hora para apanhar o autocarro no centro da freguesia e tendo a agravante de nenhum dos miúdos da minha idade, da zona onde morava, (Pico Furão) terem sequer concluído o 2.º ciclo. Portanto faria este tortuoso percurso, só.
Uma angústia invadira os meus dias e naquela altura era difícil aceitar o facto de não ir estudar no Funchal. Imaginava-me no Liceu, (que eu nem sequer conhecia na altura), a aprender coisas importantes e a atravessar a cidade com os livros no braço, como eu vira as raparigas dessa época, numa das raríssimas vezes em que me deslocara ao Funchal, o que aliás era um tormento, porque a viagem pela estrada, outrora sinuosa, implicava um enjoo terrível, que me fazia chegar à maravilhosa capital, quase à “beira da morte”.
Lembro-me da desilusão que sentia e o desejo de que os cadernos dos meus irmãos fossem para mim e que tudo fosse diferente, que morasse noutro qualquer lugar, mais perto de tudo.
Era tempo de juntar as primeiras castanhas, que os “castanheiros do cedo começavam a deitar” e assim, trocávamos a caneta pela foice e uma saca de sarapilheira e a vida continuava, deste modo, para a grande maioria dos jovens desta terra.
Hoje a vida, graças a Deus, nada tem a ver com esse tempo. Vejo com uma especial felicidade e como um concretizar de um sonho, o meu filho, que agora iniciou a frequência do ensino secundário no Funchal!
Apanha o autocarro quase à porta de casa, agora até a casa dos meus pais, onde vivi, é servida por uma estrada. (Que as tão mal afamadas políticas do alcatrão também nos trouxeram muitos benefícios, incompreensíveis para quem sempre os teve)
Ainda que tenhamos de desembolsar 88,00€ mensais para o passe, a meu ver, um valor exagerado, é com muita alegria que o vejo a cada manhã, partir, rumo aos seus sonhos.
Existem, ainda, algumas lacunas em termos de acessibilidades, mas, em geral, nenhum jovem está sujeito a abandonar a escola por este motivo.
Que eles saibam valorizar o que têm. Nasceram em melhores tempos, sintam-se privilegiados e aproveitem, construam o futuro deles e o da terra onde nasceram. Sobretudo, não tenham limites para sonhar!