Rufino Nascimento
Rufino Nascimento
Agosto, sol, calor e humidade em dose bem alta. Sento-me à sombra de uma Musa. O cansaço (a idade não perdoa…), empurra-me o olhar para o mar.
A água, límpida, permite ver o reflexo das tainhas e salemas como há muito não acontecia. Subitamente sou interrompido desta espécie de auto-hipnose por alguém que me procura. Um velho conhecido aproxima-se e, após cumprimentos, pede-me para “falar lá no hospital” a ver se o chamam para a cirurgia de que tanto necessita. “Eles nunca mais me chamam …”. Antes, alguns meus conterrâneos procuravam-me para passar uma receita, medir a tensão arterial, auscultar “a máquina” e esclarecer dúvidas sobre medicação, nomeadamente se era compatível com um copito de vinho, “nem que fosse só às refeições”. Depois, começaram os pedidos para exames, sobretudo os mais caros. Agora são também as cirurgias.
“Porque é que dizem a uma pessoa que o vão chamar e o não o fazem”? Respondo que com o aumento de pessoas idosas, as solicitações dispararam e que com o modelo atual de funcionamento não há capacidade para atender a todas as necessidades. Em resposta, o meu amigo expressa o seu descontentamento em relação às prioridades na utilização do dinheiro público. Rebato dizendo que um quinto do orçamento é para a saúde. Então, o que é que fazem com esses milhões todos? Pergunta ele.
Despedimo-nos e fico a pensar: será que o Serviço Regional de Saúde (SRS) está tão mal? Penso que não. A qualidade dos serviços prestados pelo SRS só tem paralelo com a eficácia das finanças para com os funcionários por conta de outrem. Nenhum serviço público o supera em qualidade. Podia ser melhor? Sim, sobretudo no que respeita aos tempos de resposta. Mas, atenção, a qualidade também já está a ser corroída…
E interrogo-me: porque se acabou com o regime de exclusividade dos médicos? Porque será que continua por resolver há muitos anos a “falta” de médicos em algumas especialidades? Porque não se controla com afinco onde se utiliza o dinheiro? Como se incentivam profissionais altamente qualificados pagando-lhes salários líquidos baixos?
E lá me vem à mente aquela explicação simplista … por cada doente/utente não atendido no serviço público é menos dinheiro que se gasta e, se ele utilizar o privado, até pode tornar-se fonte de receita. Quando um doente recorre aos serviços de saúde privados, o governo poderá ter como encargo o chamado reembolso, mas depois vai receber IRS do médico, enfermeiro, técnico, administrativos, administradores; IVA de todos os consumíveis e, se a empresa der lucro, IRC e, creio, até a derrama! Acrescem ainda as taxas e impostos resultantes da compra/construção/aluguer do edifício onde decorrerá a prestação de serviços assim como os impostos indiretos que esta economia gera. Não me parece mau negócio…
Quatro meses depois…
as palavras levam à exaltação, os números à reflexão:
Além disto, se juntarmos à lista de espera por um ato médico2 as pessoas que se encontram supostamente em risco de dificuldades3, pergunto-me: porque não se consulta a população, isto é, porque não se faz um referendo, nomeadamente sobre o modo e limites de separação entre o público, o privado e o social e se define e valida um modelo de financiamento que assegure sustentabilidade.
Um refendo teria pelo menos 3 vantagens. No período dito de debate criava-se uma oportunidade para elucidar a população analisando o porquê do que se está a passar e, assim, propor diferentes formas de projetar o futuro SRS; conferia-se autoridade ao governo para executar a opção escolhida e introduzia-se alguma transparência numa área tão sensível como a saúde.
Feliz ano novo!
1: Salvador de Mello, Presidente do Health Cluster Portugal, in semanário Expresso (ediç. 20 Out. 2018; pg 27). https://expresso.lojaimpresa.pt/V/primeiro/2399
2: http://edicao.dnoticias.pt/sites/default/files/30-12-2018_-_DIARIO_-_46866-Plano_48-DNCAB-1.pdf