Paula Noite
Paula Noite
O céu explode num ribombar tremendo, mostrando-se bordado de cores. Um barulho ensurdecedor abafa as vozes que se levantam num fantástico urra de boas vindas ao ano novo. E os votos de um feliz ano.
Os telemóveis enviam ininterruptamente milhares de mensagens aos familiares, amigos e mesmo àqueles mais distantes mas que fazem parte dos contactos.
As redes sociais são doutrinas de votos e promessas de uma vida diferente no novo ano.
E ele (o ano novo) começa logo com o dia da paz. Que nos faz falta. No mundo e em nós. Logo neste dia prometemos a nós mesmos ir em busca da nossa paz, para não viver um novo ano com uma roupa velha. Para podermos bordar a nossa vida de histórias bem contadas, com finais felizes, costurar os dias com folhos de paz, solidariedade, amor e tolerância.
E desta forma chegámos aos Reis. Em que um grupo de amigos se juntou, saiu à rua de machete e castanholas na mão e bateu à porta dos vizinhos, familiares e amigos, num gesto de despedida da Festa (como afirmou Horácio Bento, “Festa no Campo, Natal na Cidade”). Cantando em alta voz:
Eu venho cantar os Reis
À casa da minha vizinha:
Não tem nada que me dê?
Mostre ao menos a lapinha!
Eu venho cantar os Reis
À casa de minha madrinha
Não tem nada que me dê?
Dê-me a pata da galinha!
Eu venho cantar os Reis
À casa da minha tia;
Não tem nada que me dê?
Dê- me um copo de água fria!
Eu venho cantar os Reis
À casa deste senhor;
Não tem nada que me dê?
Dê-me um copo de licor!
Noite dentro, volta dada à freguesia é o descanso dos guerreiros, daqueles que teimosamente dão continuidade a uma das nossas tradições.
Período de descanso porque a Festa em São Jorge só acaba no São Sebastião- vinte de janeiro, quando se varrem os armários. Uma vez mais se bate à porta em busca dos restos da Festa: as broas, os licores, o bolo de mel.
Tradição que se mantém ao longo dos tempos, perpetuada na freguesia.
A EB1/PE/C de São Jorge, cumprindo o objetivo de manter as tradições, envolve as famílias na atividade denominada “Varrer dos Armários”. Constroem uma vassoura tradicional de buxo, cana vieira ou urze ou então criam uma vassoura com material reutilizado.
Nessa altura saem todos para a rua, vozes afinadas, cantando:
“Tenho uma vassoura
pr’ajudar a mãe
a minha vassoura
varre muito bem.
Varre à frente e atrás
E mesmo ao cantinho
A minha vassoura
Deixa tudo varridinho.
Coisinhas tão boas
Ficaram da festa
Bela tradição
não há como esta.”
Estarão na rua uma vez mais, entrando aqui e ali, na certeza de serem recebidos na comunidade com um grande sorriso e poderem varrer os armários, “os restos” da Festa.
Por sua vez, no dia vinte de janeiro, a paróquia organiza a Festa de São Sebastião, com uma Missa solene na Igreja Matriz de São Jorge, seguida de procissão em honra do Santo. No final, há romagens com alguns dos sítios da freguesia e grupos convidados, terminando com um convívio e animação no adro.
Para nós, São Jorgenses, esta data tem um significado muito especial. Existiu, na margem da Ribeira de São Jorge, a Ermida de São Sebastião. Esta, em consequência de um aluvião foi destruída, não restando nenhuma ruína. Sobrou unicamente a imagem de São Sebastião venerada ainda hoje na igreja paroquial de São Jorge. Trata-se de uma escultura em madeira com altura de cerca de meio metro, que representa o Santo encostado a uma árvore, tendo cinco setas de prata cravadas no seu corpo semi nu.
É assim que São Jorge encerra a Festa. Depois de cantar os Reis e de varrer os armários no São Sebastião.
E é neste dia que desmanchamos a lapinha. Guardam-se os papéis pintados com viochene bem dobrados numa caixa. Com muito cuidado guardam-se também as figuras do presépio. E o Menino Jesus em pé. Para o próximo ano.
Em algumas casas o Menino Jesus em pé mantém-se o ano todo em cima da mesa. Ao lado um solitário com flores frescas todas as semanas. Para abençoar aquela família e relembrar todos os dias que prometemos cultivar a generosidade, a gentileza, o respeito e a gratidão, partilhar tempo e afetos.
Um feliz ano para todos!