Cátia Vieira Pestana
Cátia Vieira Pestana
Nestes dias de frio cortante, entre um cacau e um pão quente, foge-me a memória para tempos mais estivais. Lembro-me dos verões à beira mar, dos finais de tarde no Gavinas, do cheiro a chicharros fritos que se misturava com a maresia e de, de mansinho, chegar a noite. Ali, as brincadeiras duravam até que a lua aparecesse alta no céu.
Naquela altura talvez não valorizasse tanto o aroma do peixe fresco e preferisse perder-me nas corridas de garotos, na vereda que passava contígua à praia. Corria de braços abertos tocando a erva seca que soltava o seu cheiro a estio e que se misturava com o aroma das favas… Era um festival para os sentidos, era verão, era quente, e eu adorava percorrer aquele caminho que me levava até à traseira daquela ruína, forte e robusta. Ao lado o cais, um cenário que levava a minha imaginação para outro tempo: o dos vapores…
O Cais do Carvão é uma das imagens de marca da freguesia de São Martinho, outrora importante entreposto de abastecimento, armazenamento e comércio do carvão, edificado em 1903, pela companhia Wilson, fornecia os vapores e engenhos da ilha, através do qual a Madeira estabeleceu importantes ligações com a Alemanha e Inglaterra. Infelizmente, nos dias de hoje, apenas uma bonita ruína na nossa paisagem e um aprazível cais hoje utilizado para pesca lúdica sobram desta era industrial. Durante anos, o cais do carvão foi deixado ao seu estado de degradação natural. Em tempos ainda houve a intenção de ali construir um aquário, mas a verdade é que nada se fez. A falta de vontade política em revitalizar aquele espaço foi deixando a memória de outros tempos cair no esquecimento. Há que perpetuar a nossa memória coletiva e a nossa história.
O filósofo espanhol, José Ortega y Gasset, dizia “se eu não preservar o que me cerca, eu não me preservo” e isto relaciona-se tanto com o material como com o imaterial, com a memória. Ciente do interesse histórico e cultural do local, a Câmara Municipal do Funchal decidiu, e bem, avançar com um projeto de revitalização, candidatou-o a fundos europeus e as obras, no valor de 300.000 euros, estão já na sua reta final. Finalmente o Cais do Carvão voltará à vida e será perpetuada a sua memória. Um local com passado virado para um futuro muito promissor. A freguesia de São Martinho marcará pontos no perpetuar da sua história e um novo polo cultural nascerá. Precisamos de espaços assim onde, à luz da memória, a cultura aconteça. Ali, para além de um pequeno núcleo com informação histórica teremos um novo palco para diversas intervenções de índole cultural pronto para receber espetáculos, projeções de cinema, exposições e atividades educativas em sintonia com a vizinha Estação de Biologia Marinha.
Já no próximo dia 2 de fevereiro, celebraremos o renascer do Cais do Carvão com um concerto de inauguração. Cumpre-se assim o objetivo da autarquia da valorização do património histórico e da dinamização cultural e turística. Esta é uma aposta do município na freguesia de São Martinho, na sua história e no seu futuro, empurrando a freguesia para assumir-se enquanto referência no nosso panorama cultural. São Martinho caminha assim para o futuro de braço dado com a sua história.