Sónia Gonçalves
Sónia Gonçalves
“Já há cerejas maduras!” O anúncio serve de mote para uma subida à árvore mais próxima. Às vezes nem estão bem madurinhas, mas a vontade de “encher a barriga” é tanta que sabem bem mesmo assim.
“Estão verdes, Sónia!”, alguém alerta, mas faço-me desentendida e como-as assim mesmo. Até que ficam realmente muito maduras e doces como o mel. Então aí é que é uma loucura…
Há muitos autores que sustentam teorias relacionadas com a forma como viajamos no tempo com imagens, sons ou cheiros.
As cerejas têm esse efeito em mim.
Quando as vejo, não consigo controlar memórias que se avivam, umas atrás das outras, precisamente como o fruto sai do cesto, entrelaçadas. Tenho de as deter, o que nem sempre é fácil…
Quando estava a estudar fora da Madeira, via cerejas – embora de categoria diferente, de maior porte e menos frequentes naquela altura – e, igualmente, as recordações atropelavam-se no meu cérebro.
Ao vê-las, o coração palpitava com saudades de casa, da família, do aconchego que outrora julgara que seria eterno. Apesar de mais perto fisicamente,o sentimento ainda hoje se mantém.
É impossível ver cerejas à venda e não me recordar automaticamente de todos os níveis que envolvem o ciclo até chegar ao vendedor final. Ao ligar à minha mãe a partir de abril, há uma conversa clássica e sempre interessante: a descrição do crescimento do fruto, se o tempo vai fazê-lo crescer naturalmente, se a chuva está a ser favorável ou se o sol em demasia tem interferido no desenvolvimento deste. “Este ano parece que não vai ser um ano de cerejas”, lamenta-se, às vezes, preocupada.
Certa vez, há muitos anos, fui ao Fundão, também uma terra de cerejas, mas em Portugal Continental, e tive a oportunidade de participar durante algumas horas numa apanha daquele fruto. Foi uma desilusão! Admito que as técnicas eram bastante boas. A plantação é planificada e, graças à altura das volumosas árvores, a apanha faz-se de escada, de uma forma extremamente confortável. Contudo, não senti aquela emoção habitual, não ouvi o bater do coração da cerejeira. Nas minhas veias, o sangue não se alterou, não houve adrenalina com a hipótese de queda ou dor nos pés por ter de passar por entre os troncos. Saí de lá inexplicavelmente triste. “Porque estás assim? Não era isto que querias fazer?”. A pergunta fez-me sorrir e perceber que estava a ser mal-agradecida…
Já provei as cerejas deste ano. Amargas ainda, por não estarem ainda maduras! O sabor acre fez-me sorrir. Veio-me à cabeça uma incontrolável memória. Lembrei-me que, quando já não havia cerejas maduras, as ginjas estavam ainda vermelhinhas nas árvores. Por serem muito amargas, “pregávamos partidas” aos menos entendidos dizendo que eram “cerejas do tardo”. Era vê-los a comê-las, equivocados, e cuspirem ou fazerem má cara!
Daqui a duas semanas, de 13 a 16 de junho, é a Festa das Cerejas no Jardim da Serra. Para além de muita animação, é uma excelente oportunidade para comer o fruto fresco, madurinho e doce!