Cátia Vieira Pestana
Cátia Vieira Pestana
Em plena era da globalização, onde costumes e tradições viajam à velocidade da luz e ao ritmo das modas, entre diversos países e continentes, o património cultural assume um papel primordial na definição da identidade de um povo.
Nesse sentido, hoje mais do que nunca, o papel dos diversos agentes culturais, sejam eles públicos, privados ou associações é primordial ao nível da proteção e valorização da nossa memória como forma de garantir às futuras gerações o conhecimento do seu passado e da sua história, das suas raízes, da herança que receberam dos seus antepassados.
Essa preocupação pela preservação e defesa da nossa memória deve ser um dever, sobretudo dos nossos governantes. Ciente disso, a Junta de Freguesia de São Martinho não hesitou em apoiar a publicação do caderno n.º 5, da Coleção “O Trilho”, do Núcleo Museológico de “Arte Popular”, da autoria de Danilo José Fernandes, presidente da Direcção do Grupo de Folclore e Etnográfico da Boa Nova, intitulado “A Giesta e os seus artefactos”.
Esta obra de grande valor etnográfico e cultural traz à luz a sabedoria dos antigos em lidar com a Giesta. Aquela que hoje é considerada como infestante, no passado foi de grande importância na vida dos madeirenses que souberam dar-lhe diversas utilidades, desde o uso como lenha à confeção de artefactos para a lavoura ou utensílios domésticos e peças de decoração. Produtos que chegaram a ter uma relevância económica em termos de exportação. Eram verdadeiras obras de “filigrana”, feitas de giesta entrelaçada, alva, que nasciam das mãos de habilidosas artesãs da freguesia de São Martinho. Através de cestinhas de laranja, lenheiros, pratos, pires, bandejas, açafates, cestas, pecheires, caixas de costura, floreiras, papeleiras ao tão afamado cesto de bolo de mel que correu mundo, passando por brinquedos (berços e jogos de bonecas), as artesãs de São Martinho encantavam com a sua arte.
No início do século 20 eram mais de 120 as mulheres da freguesia que se dedicavam a esta arte que a partir da década de 70, do século passado, começa a entrar em queda, sendo as peças substituídas por plástico e materiais mais em conta feitos na China.
Na década de 80, ainda há esforço em formar pessoas nesta arte, mas sem sucesso e o falecimento da última artesã, já no início deste século, dita o ponto final, agravado pela falta de uma política de valorização e revitalização das artes tradicionais, o que aliás, nos dias de hoje, está igualmente a condenar ao desaparecimento a obra de vimes e os produtos fabricados a partir da lã de ovelha (casacos e barretes de vilão), tradicionais da Camacha, assim como as obras em palmito, tradicionais do Porto Santo.
As artes tradicionais são assim relegadas para a pasta da agricultura e não vistas e exploradas enquanto parte fundamental da nossa memória, da nossa herança cultural. Não existe um plano adequado de revitalização e proteção daquilo que é nosso, deixando a produção dos produtos regionais à mercê das regras do mercado.
Da parte dos governantes há um completo alheamento das artes tradicionais, condenando-as ao desaparecimento, restando-lhes apenas o rasto em pequenos núcleos museológicos nascidos da vontade e do interesse de particulares mais despertos para a importância de recuperar a nossa memória e recolher os fragmentos da nossa história através de trabalhos de investigação que permitem recolher, estudar e divulgar os aspetos das nossas antigas vivências.
Na era do global a palavra de ordem deve ser o local, a afirmação da nossa identidade, daquilo que somos, de onde viemos, sob pena de um dia nos tornarmos todos feitos do mesmo material, cozinhado num imenso caldeirão.