Mariusky Spínola
Mariusky Spínola
Sempre fui um bocado a “a pequena que veio de…” Aos 7 anos vim viver para cá, para a Madeira. Deixamos para trás uma país onde a nossa qualidade de vida era certamente superior, mas onde a mesma estava sempre no limbo, sempre sem saber quando ou se aconteceria alguma coisa… Deixamos para trás a Venezuela, o país que me viu nascer a mim e à minha irmã e onde os meus pais fizeram vida…
Não deixamos o país com uma mão à frente e outras atrás como, infelizmente, muitos dos nossos emigrantes o têm feito ultimamente, mas deixamo-lo com os negócios, os amigos, a família… e recomeçamos. Na Quinta Grande!
Não posso negar o choque cultural que sentimos nos primeiros meses, quiçá até anos… Apesar de termos já cá casa, um cantinho nosso, vimo-nos, quase de repente entregues a uma sorte que não estava do nosso lado… Um inverno rigoroso, uma casa ainda pouco preparada para o receber, os pais ainda sem emprego e uma filha de 7 anos e um bebé de 1 ano nos braços!
Mas como bom madeirense, rapidamente se arregaçaram mangas e nos fizemos à vida. Um carro para as deslocações, a casa preparada para o inverno, a procura de um negócio e eu, para a escola.
“A pequena que veio da Venezuela” caiu um pouco de paraquedas na turma… O ponto de encontro da “canalha da escola” fazia-se bem cedo ao pé da “venda” e depois lá íamos nós, sem as mordomias da mamã ou o papá a deixar-nos à porta da escola, fazer o percurso a pé desde a Cruz da Caldeira até à escola… Lembro-me ainda de ser tantas vezes fustigada pela chuva e pelo vento, vestida com uma capa impermeável com a mochila por dentro e as botas de água cor de rosa (não se falava de galochas nessa altura) escola pré-fabricada, e de chegar à escola completamente enregelada!
Mas a escola era a única coisa que agora tinha. Não tinha os centros comerciais cheios de animação, os parques infantis a cada esquina, os parques naturais, os cinemas, a ginástica artística – que tanto me custou deixar… Tinha a escola e os recreios… Mas ainda assim, fui durante muito tempo “a pequena da Venezuela”…
Tive a maravilhosa sorte de ter encontrado neste início de percurso de vida em terras madeirenses, aquela que seria a responsável por me oferecer uma fuga ao isolamento que na altura sentia… a Professora Catarina Carlota Fraga Gomes. Ela, além de ser o meu porto seguro na escola, apresentou-me a Biblioteca Itinerante da Gulbenkian… Aquela carrinha cor de laranja que vinha uma vez por mês até à Cruz da Caldeira e da qual me tornei uma das melhores clientes! Lia muito para colmatar a questão da língua portuguesa que não dominava na escrita (e da qual também era muito má na oralidade!) e numa questão de alguns meses, era tão conhecida na biblioteca que quando lá chegava já estavam separados para mim os livros que os senhores sabiam que ainda não tinha lido e que, certamente, gostaria de ler. Foi uma altura maravilhosa! Hoje agradeço imenso a esta grande mulher, a “minha professora Catarina” por ter tido este papel na minha vida. Aliás, foi graças a ela que me apaixonei pela docência, pelo ensino… é graças a ela que sou educadora.
Os anos foram passando, a família estabeleceu-se, nasceu mais uma irmã, e a Quinta Grande foi-se desenvolvendo a olhos vistos… Hoje não é apenas uma terriola perdida entre o Funchal e a Ribeira Brava, é uma freguesia bem capacitada e com imensos recursos como Centro de Saúde, Escola de primeiro ciclo contruída de raiz, Centro de Dia, Casa do Povo e Junta de Freguesia com instalações próprias que servem também a população, restaurantes, supermercado, parque infantil, excelentes acessos rodoviários, e dois pontos turísticos importantíssimos: o teleférico da Fajã dos Padres e o Miradouro do Cabo Girão, que atraem todos os anos milhares de turistas e locais. Obviamente há sempre “espaço” para mais, mas o investimento tem sido feito.
Hoje vivo no Caniço, freguesia que adoro, e agora sou a “a pequena que veio da Quinta Grande”. A pequena que cresceu e que se tornou na mulher que tem a Quinta Grande no coração.