Dinarte Melim Velosa
No dealbar destas crónicas sobre o Porto Santo nenhum outro tema é tão actual como o da evocação da chegada dos navegadores portugueses à ilha dourada há seiscentos anos. São seiscentos anos que se caracterizam essencialmente pela sobrevivência à fome, às pragas, aos longos períodos de seca e aos ataques corsários e pelo isolamento que no último meio século se tem vindo a esbater. Por todas estas provações passaram os nossos antepassados e algumas das gerações mais antigas que ainda sobrevivem, para que, primeiro, o Reino e, mais tarde, a República pudessem reclamar para si uns poucos palmos de terra em forma de ilha, mas muitas e incomensuráveis milhas marítimas de águas territoriais que dão a Portugal um relevante papel geoestratégico no Atlântico Norte.
Alicerçados naquele difícil quotidiano, não tão longínquo, orgulhamo-nos do nosso pequeno torrão (o paraíso na terra segundo uma das versões que justificam o nome da ilha, a lenda de S. Brandão) e olhamos com desconfiança para tudo quanto é exterior ou novidade, sentimento inter-geracional que está arreigado e é muitas vezes confundido com um complexo de inferioridade ou menoridade ante a vizinha ilha da Madeira. E é por sentirmo-nos orgulhosos do nosso passado (a candidatura do Porto Santo a reserva da Biosfera assim o espelha) e por ser esta uma oportunidade singular de projectarmos o nosso futuro, que é grande a expectativa com que se aguarda a apresentação do Programa Oficial das Comemorações dos Seiscentos Anos, agendada para 20 de Março, num trabalho de articulação entre Governo Regional e Município do Porto Santo. A meu ver, esta é a opção mais correcta, dada dimensão e amplitude que se pretende dar ao evento. Mas porque o tempo é inexorável, o ‘timing’ é completamente desadequado. Na verdade, há a percepção de que o legado herdado pelo presidente Idalino Vasconcelos resume-se a um logótipo, cujo vencedor do concurso, à data, muita celeuma provocou pela inadequação à efeméride que se pretendia evocar. A realidade é que em 01 de Novembro de 2017, quando deveríamos ter dado início às festividades, o trabalho de casa não estava feito, apesar de o anterior presidente, Menezes de Oliveira, pelo menos na opinião publicada, ter demonstrado a intenção de puxar as rédeas da organização dos seiscentos anos para o Município, havendo inclusive efectuado um convite a Marcelo Rebelo de Sousa para presidir à Comissão de Honra, aquando da visita oficial do Presidente da República à ilha. Convite que terá sido então rejeitado pela falta de sentido de oportunidade do mesmo, mas agora aceite, porque devidamente enquadrado pela existência de uma Comissão Executiva dos Seiscentos Anos, nomeada pela Secretaria Regional do Turismo e Cultura.[/vc_column_text]
Por essas mesmas razões históricas, a Assembleia Legislativa da Região Autónoma da Madeira (e muito bem) emendou a mão ao Governo Regional e decidiu que a Sessão Solene Comemorativa do Dia da Região (01 de Julho) será celebrada com o devido relevo, pompa e circunstância no Porto Santo. Com o foco regional na nossa ilha, em pleno Verão, aguardamos, de igual modo, que a 01 de Novembro, os órgãos de soberania nacional se façam representar ao mais alto nível, o que colocará inevitavelmente a ilha de Porto Santo no centro da agenda mediática nacional. Não se trata de um apelo ou uma exigência, de arrogância ou falsa modéstia, de mendicidade ou mágoas de grandeza, mas tão-somente de honrar aqueles que aqui primeiramente chegaram, as gerações que lhes deram continuidade e as que ainda por vir, lhes seguirão. Até porque, quantos dias são seiscentos anos?