Paula Noite
Paula Noite
Flores, este ano, celebradas em abril.
A flor paixão, a flor amor, a flor beleza.
A flor que para mim será também identidade. Sim, porque cada um de nós se identifica com uma flor.
Eu identificar-me-ia com…
…com uma flor que morasse num prado verde, num espaço imenso, quase a beijar o céu, lá ao longe, junto da linha do horizonte.
E seria uma papoila. Uma papoila daquelas ali plantadas, pétalas ao vento, bem vermelhas.
Com pétalas delicadas, fortes, ondulando na suavidade da brisa da tarde, ou sacudidas na fúria do vento forte.
Pétalas dum vermelho carregado da cor dos cravos de abril. Os cravos que simbolizam a liberdade, curiosamente celebrada também em abril.
Uma liberdade que chegou de mansinho numa madrugada, a um povo dormente de mordaças e amarras.
Que se implantou, alastrou e encheu de paz e sorrisos todo um povo, trazendo um sentir novo.
E assim se deu a mudança. Convivendo com a ausência de submissão e de servidão, uma nova realidade agora. Aprendendo a viver de uma outra forma, a dar opinião, a ter pensamento crítico. E a geração da liberdade passou a agir com a própria vontade.
E neste “país à beira mar plantado”, de liberdade coroado, passou-se a uma outra realidade.
E assim vivemos. Até que alguns (não poucos!) mudaram o conceito de liberdade. E a liberdade passou a ser aquilo que cada um queria. Aquilo que lhes permitia fazer o que queriam. Como queriam. Os outros? Não interessavam…
E começámos a ver um país, onde para muitos, valia tudo para chegar onde queriam. Para alcançar o que queriam. E desenharam-se diferenças abismais entre as pessoas: as que tinham tudo e aquelas que passaram a não ter nada ou a ter muito pouco. Os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres.
E os que acharam que liberdade era viver como e onde queriam. E as ruas encheram-se de gente com a ponte por teto. Desses, uns aceitaram a ajuda dos indivíduos que, mesmo em dificuldade, têm a chama da solidariedade. Os restantes, continuaram lá porque eram livres (?) de viver ali. Como queriam. Na rua, como queriam. Criando uma moldura de degradação. Muitas vezes como um cenário vivo do “Ensaio sobre a cegueira”.
Muitos passaram a despir os seus próprios pensamentos, a sua opinião. Achavam que tinham de pensar como todos os outros. Pensar diferente? Não!
A competência muitas vezes não interessou. Caminhos sinuosos se traçaram, ligações várias se estabeleceram até lá chegar. Onde queriam. No topo.
A justiça esmoreceu. E os processos acumularam-se numa montanha de arquivos.
A liberdade de uns, muitas vezes, passou a ser a opressão de outros.
Muitas vezes querer opinar e ter uma mordaça a nos calar…
Impediu muitos de serem livres de amar e viver no seu país. País aparentemente livre, mas que não conseguiu criar as condições para que ficassem aqueles que o país formou. E foram “exportados” muitos dos engenheiros, dos enfermeiros…. E tantos outros. Que na maioria já não voltam.
“Era um país à beira mar plantado”. Que fez a revolução de abril. Com um cravo vermelho na ponta da espingarda. Que implementou a democracia e a liberdade. Que é minha, é tua e é nossa.
Relembrada todos os anos em abril.
Vamos eu, tu e nós vivê-la todos os dias. Reconstruir o seu significado.
E todos juntos, vamos chamar-lhe “nossa”.
E seremos capazes de viver em democracia; escolher livremente tendo em atenção o outro. Escolher livremente, para o meu bem e para o bem dos outros.
Porque todos conhecemos os princípios fundamentais da democracia e de uma sociedade democrática, em que assentam os direitos e a liberdade.