O mundo depara-se com desafios essenciais para garantir a continuidade de políticas centradas nos direitos humanos e no desenvolvimento sustentável. A defesa das democracias, da paz e da coesão social extravasam o domínio macro e, mais do que nunca, precisam de ser promovidas através da integridade das políticas públicas. Sem esse exercício profissional, intencional e baseado em evidências científicas, torna-se difícil afirmar princípios promotores da dignidade humana, social e do crescimento económico, que vínhamos a construir nas últimas décadas. É neste contexto que os processos de serendipidade podem ser fundamentais para o desenvolvimento da autonomia e contribuir assim para a sustentabilidade. Aqui o contributo da psicologia é essencial.
Num exemplo simples, ainda que possa parecer abstrato e descontextualizado, temos o surto lexical. Este fenómeno da aquisição de linguagem ocorre no bebé, tipicamente, por volta dos 18 meses até aos 24 meses. Este acontece porque a criança está exposta a um contexto de estímulos e oportunidades, que através da maturação biológica, bem como da motivação de se expressar e de se fazer compreender na relação com os pares, desenvolve comportamentos para o efeito. Desde as fases anteriores, a começar pelo desenvolvimento sensorial até à reação percetiva pela compreensão de palavras proferidas, com a expressão corporal e facial decorrente na interação com o meio, mais tarde, quase que de súbito, resulta na expressão de mais de 200 a 300 palavras – o tal surto lexical, para o qual muitos fatores contribuíram.
Noutro exemplo mais literário, a obra “os três príncipes de Serendip” marca o surgimento deste conceito. Horace Walpole, a meados do século XVIII, escreveu-a para contar as aventuras de três príncipes da terra de Ceilão, atual Sri Lanka. Estes personagens alcançavam descobertas inesperadas, fora dos reais resultados que procuravam, mas extremamente úteis na resolução de diversos problemas. Tal processo era possível, devido à capacidade de observação e sagacidade dos personagens.
Destes dois exemplos, o que é que ambos têm em comum? Uma interação relacional entre pessoa e ambiente. Uma exposição a acasos e desafios. E uma série de processos mentais, com momentos de crise e com oportunidades de adaptação e superação por via da autodeterminação e de comportamentos intencionais e autónomos.
A serendipidade é assim um processo de intencionalidade das conquistas tidas “por acaso”. Na verdade, resulta da aquisição de informações e de conhecimento, aliado à perspicácia e ao espírito proativo das pessoas. Entre ele e os “acasos da vida”, a pessoa encontra significados, propósitos e soluções para os problemas. Depende de muito esforço para a resolução de problemas. No fundo, o modo como nos relacionamos e tomamos decisões é influenciado por um grande número de fatores. Ganha expressão com ações baseadas na autonomia e na autodeterminação.
O Ser Humano age tendencialmente de modo irracional, o que apela a que tomemos consciência disso nas decisões profissionais e políticas, para que se minimizem vieses cognitivos nessa tomada de decisões. Tais vieses são muitas vezes gerados por estados de sofrimento psicológico – presente em todos nós no dia a dia. É a partir desta evidência que a psicologia pode ajudar as pessoas, as organizações e as comunidades a desenvolverem processos conscientes, criativos e orientados para comportamentos de promoção do bem-estar, de autorrealização e do bem-comum.
Segundo estes princípios estaremos mais próximos de uma sociedade mais autónoma, democrática, inclusiva, assente na participação e em consensos para a tomada de decisões. Estaremos mais próximos de economias resilientes, no combate à pobreza e na promoção da coesão social e da paz, num tempo determinante para um futuro alinhado com políticas não só humanistas, mas essencialmente humanas. Com isto, teremos resultados expressos na vida das pessoas, com impactos na integridade das políticas públicas. Estaremos mais próximos de ganhos mútuos a vários níveis.
Hugo R. Fernandes