Dinarte Melim Velosa
Dinarte Melim Velosa
Prelúdio
A anunciada vitória (entretanto contestada pela SevenAir) da companhia espanhola Binter no concurso público internacional de concessão para a linha aérea Porto Santo – Funchal – Porto Santo tem feito correr muita tinta nos jornais e são várias as vozes dissonantes que se levantam no espaço público e também publicado nas redes sociais de um mundo virtual que cada vez mais se substitui ao real. Assim, aquilo que à partida seria uma doce e melosa sinfonia para os ouvidos porto-santenses, ou seja, a entrada de um novo operador na linha com um avião de maior capacidade para transporte de passageiros e carga (ATR-72), depressa virou cacofonia.
A entropia é tal, que nem o ardiloso argumento (principal causa plausível da vitória) de que a Binter trará consigo a abertura de novas rotas à região serve para satisfazer o sentimento generalizado (com alguns remoques políticos oportunistas e populistas à mistura) de que indubitavelmente o serviço público na ligação aérea inter-ilhas da Região Autónoma da Madeira (RAM) será pior. Isto, caso se confirme que a companhia espanhola apenas efectuará uma frequência por dia no Inverno, só permitindo aos porto-santenses ir e regressar a casa no mesmo dia de Verão. Acresce (quando em comparação com a nossa realidade), que ao abrigo do princípio da continuidade territorial é possível, por exemplo na Região Autónoma dos Açores, a quem chega a São Miguel de um voo oriundo de Lisboa, estabelecer ligação (nas primeiras vinte e quatro horas subsequentes) ao destino final (numa outra ilha do arquipélago) sem quaisquer custos adicionais para o passageiro. Na RAM, tal não é possível no presente, porque a SevenAir não trabalha em code-share com outras companhias e de futuro também não o será se a única ligação Funchal – Porto Santo se concretizar logo pela manhã, ainda antes da chegada de voos oriundos do exterior à Madeira. Além disso, a vigente discriminação de se cobrar, nesta rota, uma taxa de serviço ao passageiro, algo que não acontece nos Açores, torna inviável tal desiderato. A propósito, se a entidade gestora dos Aeroportos de Portugal é a mesma, qual o motivo para a implementação e cobrança desta taxa na ligação aérea regional entre a Madeira e o Porto Santo?
Por outro lado, a favor da Binter concorre (para além de um avião de maior capacidade) a resolução de um absurdo que pelo menos até Junho há-de permanecer e que consiste em que, por exemplo, qualquer pessoa em qualquer ponto do globo, através do programa GDS (Global Distributions Systems) ao pesquisar voos para a ilha dourada, poder encontrar ligação até à Madeira, daí viajar para Lisboa e só então a partir da capital portuguesa chegar por voo directo ao Porto Santo, nos dias em que esta ligação existe e isto porque a SevenAir não integra aquele sistema. No mínimo uma situação rocambolesca e que até se revestiria de comicidade.
Interlúdio
Todo este enredo (do concurso público internacional de concessão para a linha aérea inter-ilhas da RAM), por mais estranho e inverosímil que pareça, cumpre uma didascália, que não a que à época (auscultados os operadores, os empresários e as forças vivas do Porto Santo) foi apresentada (num trabalho que reconheço meritório) pelo então secretário regional, Dr. Eduardo Jesus, à Secretaria de Estado dos Transportes. Note-se que já em Fevereiro de 2017, o Governo da República (responsável pela adjudicação do concurso) apresentou um caderno de encargos definitivo que fazia tábua rasa dos contributos da RAM quanto às necessidades da linha e que visavam mitigar a crónica questão da mobilidade e respectivo impacto económico numa ilha afastada dos centros de decisão política nacionais e regionais.
A contestação e a pressão do lado de cá do Atlântico à postura do Governo da República forçaram o recuo do mesmo, que (atendendo à época de Verão e sendo o Porto Santo um destino sazonal de sol e praia) resultou na prorrogação por um ano da concessão da linha à SevenAir. Todavia, o problema não foi resolvido, somente adiado. Quando a 31 de Outubro de 2017 foi aberto um novo procedimento para adjudicação da linha, não só Eduardo Jesus já não era secretário regional dos transportes como também e pelo epílogo (leia-se a vitória da Binter) que hoje se conhece, as vontades políticas (abertura de novas rotas a reboque da prestação do serviço público) mudaram.
Poslúdio
Desconhecendo ainda se o resultado tido por final é o oficial, que deverá ser célere (falta menos de um mês para o dia 5 de Junho e o destino Porto Santo e a vida das pessoas não podem estar em suspenso), tenho a convicção de que o cerne da questão está na República e na forma como está lançado o concurso para a exploração da linha, independentemente de a contestação da SevenAir apontar para o incumprimento de vários itens do caderno de encargos pela operadora vencedora. O que está errado em todo este processo é o facto de o Estado desembolsar 5,6 milhões de euros a ser derramado por um período de três anos, não importando se o avião que opera na rota ande cheio ou vazio, desde que cumpra as frequências mínimas impostas pelo caderno de encargos.
Deste modo, e porque os custos não concorrem para as verbas do Estado, não compensa à companhia que explora actualmente a linha realizar campanhas promocionais para trazer pessoas ao Porto Santo, criando dinâmica de mercado e novas possibilidades na rota, pelo que esse é o pecado capital da SevenAir, apesar da dedicação quase exemplar, desde logo pelo facto de a companhia estar sedeada no Porto Santo e ter criado na região cerca de meia centena de postos de trabalho. A perspectiva e expectativa de novas escalas e dinâmica levou, na minha óptica, a que os decisores optassem pela Binter que com um avião de maior capacidade consegue colmatar as poucas fragilidades que se podem apontar à SevenAir (transporte de doentes com mobilidade reduzida ou em maca, maior quantidade de carga de porão e integração num sistema de reservas internacionais). De igual forma, no barómetro porto-santense o mínimo expectável em relação à Binter passará sempre por um igual número de frequências ao realizado pela SevenAir, pelo que se assim não for dará razão a algumas vozes que ironicamente com saudosismo relembram a Aerocondor, quando, na verdade, desempenharam um papel preponderante no afastamento daquela companhia porque vinha aí a SATA. Em boa verdade, não há mestre como o tempo e nesta matéria este urge. Irá a história repetir-se com a chegada da Binter ou empurrar-se-á novamente o problema para a frente, prorrogando a concessão à SevenAir?