Boaventura é uma freguesia com aproximadamente 1000 habitantes, dos quais cerca de 300 têm mais de 65 anos. O envelhecimento populacional e a tendência decrescente da natalidade não são novidade para nenhum português e é crítica para todos. No caso de Boaventura, há o risco de no futuro ser apenas área verde.
O meu pai conta-me com nostalgia dos magotes de crianças com quem ele brincava nos anos 60 e 70 e conta com pena que vivem na Venezuela, África do Sul, França. Ele foi dos poucos que ficaram. 40 anos depois, percebi o sentimento dele, porque o senti também. Os amigos com quem brinquei também tiveram de sair. França e Inglaterra, quase todos em meados da primeira década de 2000, até cerca de 2011. Alguém da minha geração se lembra de Portugal não viver em crise? Eu não. A emigração, como se sabe, é sintoma. Assim como o despovoamento.
A dificuldade na fixação de população a Norte é conhecida e é um problema complexo, com várias vertentes. Naturalmente, não existem soluções simples mas se é difícil responder ao “que fazer”, há coisas evidentes “a não fazer”. Não fechar bancos, correios ou escolas, que é precisamente o que tem acontecido. Contraintuitivo, certo? Não se lembrem de fechar o Centro de Saúde.
Compreende-se a necessidade de poupar recursos humanos e financeiros. Ainda assim, além da oferta de transportes públicos escassa e de má qualidade, que dificulta o acesso às outras freguesias a quem não tem carro, este cálculo de poupança é feito a curto prazo, sem ter em conta a construção de um futuro viável para toda a ilha e para todos os madeirenses. Se tivermos em conta que os acessos foram consideravelmente melhorados recentemente e que sem pessoas se tornam obsoletos, esta concentração de serviços na sede de concelho e fora dele faz ainda menos sentido. Boaventura ainda tem gente, mesmo que cada vez menos. As pessoas precisam de conseguir aceder aos bens necessários ao seu dia a dia.
Atrevo-me então a deixar uma sugestão para o despovoamento, a acrescentar aos esforços já feitos pelas autoridades locais. A mobilização de pessoas em habitação social, dos meios urbanos para os rurais. Não sendo uma opção popular nem isenta de dificuldades, é relativamente simples e que não requer tremendos esforços financeiros. Não me refiro à construção de prédios de habitação social. Refiro-me antes ao aproveitamento de imóveis fechados (abundantes devido à emigração e ao envelhecimento da população), disponíveis para compra ou aluguer. Como se sabe, a aglomeração de pessoas nos chamados “bairros sociais” tem as suas especificidades e problemas normais de contextos de pouca escolaridade, desemprego e nível socioeconómico baixo.
A mobilidade destas pessoas traz um saldo positivo à população, coloca mais crianças nas escolas, reaproveita imóveis, rentabiliza recursos humanos (professores, assistentes sociais, psicólogos, profissionais de saúde, etc.), faz mexer a economia local e tira pressão dos serviços urbanos, naturalmente mais populosos. Colocar famílias vulneráveis em aglomerados potencia a exclusão social, o que não se coloca nos meios rurais em casas individuais.
Esta não será a solução mágica para o despovoamento e o envelhecimento de qualquer freguesia, no entanto, pode ser impulsionador de mudança positiva, se trabalhado com cuidado e profissionalismo. E trabalho é coisa que as pessoas de Boaventura sempre olharam de frente.