Tânia Sofia Gonçalves
Tânia Sofia Gonçalves
Em Santa Maria Maior, tal como em todo o território regional, desde os primeiros anos da sua história, a maior parte das mulheres dedicavam-se ao trabalho do bordado, como meio de sustentar as suas famílias, e, naturalmente, depois das tarefas de casa cumpridas.
A minha avó Leónia foi uma bordadeira de referência na zona alta da freguesia, lembro-me de a ver debruçada sobre o pano do bordado a ganhar para o seu sustento e da sua família. Pegava na agulha pela frescura da manhã e entrava pela noite adentro. Sentava-se no entrar da porta, no terreiro, a aproveitar a luz natural do dia, por vezes, no seu banquinho de madeira preferido, enquanto ia conversando comigo, quando estava por perto, estendia o bordado no colo até ao chão e com uma paciência harmoniosa, a agulha presa nos dedos ia e vinha num ritmo cadenciado e firme, parando apenas para voltar a colocar uma outra linha.
Uma vida de sacrifício, mas sempre satisfeita com o seu trabalho. Nunca se lamentava, ponto a ponto, linha a linha, construía os seus dias com os olhos bem concentrados àquele sustento precioso para a família. Tentava ensinar-me. Lembro-me de me falar dos diversos pontos que teriam de ser dados, sem distrações nem falhas, pois, cada ponto deveria ficar alinhado ao desenho estampado e bem apertado. Ofereceu-me um dedal, uma dedeira para não me picar, uma tesoura só para mim, uma cera e muitas linhas coloridas. Tudo igual ao que ela tinha no seu saco do bordado. Escutava com atenção as explicações da minha avó sobre a função de cada ponto, então entre tantos outros, havia o caseado, o ponto de corda, o ponto francês, o ponto sombra, o matiz, os ilhós, o rechelier, os garanitos, eram muitos, perdia-me na conta. A minha avó foi uma das milhares de bordadeiras que ajudou a transformar esta atividade em património cultural regional, ainda tentou passar o seu saber para mim, ensinava-me, fiz uns bordadinhos com ponto de corda, pratiquei outros pontos, mas não aprendi o suficiente.
Muitas vezes, confiava-me a tarefa, importante, de ir à casa da senhora dos bordados, dona Ilda que vivia no beco da rua do clube da Choupana, buscá-los e, quando ficavam prontos, levava-os orgulhosa da minha responsabilidade. Anos mais tarde, na minha idade de pré-adolescência, quando a minha avó foi nomeada agente dos bordados, eu levava os trabalhos “aviados” das bordadeiras da zona à casa dos bordados, Madeira Supérbia. Geralmente era à quinta-feira que tinham de ser entregues para a verificação e depois efetuavam o pagamento.
Além de se preocupar em cumprir as datas previstas, para a entrega do bordado, a minha avó tinha a preocupação de reunir outro tipo de pontos, os acumulados para a reforma da Segurança Social. Como bordava muito, juntava pontos a mais do que necessitava, então, tinha o hábito solidário de ceder esses pontos em excesso a uma familiar ou vizinha amiga. Tenho orgulho em me lembrar de que era eu quem preenchia os denominados “bilhetes do bordado” que confirmavam os referidos pontos.
O bordado teve muita importância na Madeira, todavia, na vida destas gentes ainda foi mais importante, porque era um dos seus únicos meios de subsistência. Os maridos estavam emigrados ou na tropa ou faleceram, por isso, além da terra para cultivar, quem a tinha, só restava o bordado e os vimes.
Segundo a nossa história, o bordado da Madeira assumiu uma identidade própria, no início, as madeirenses bordavam para o dote, uso próprio ou para oferecer a um familiar, embora fosse uma tradição entre os madeirenses, a partir da segunda metade do seculo XIX, ganhou outro rumo, surgiram os grandes interesses comerciais importantes para as encomendas, e criou-se uma nova visão estabelecendo novas regras e padrões para a produção do bordado que passaria a ser exportado. A título de curiosidade, segundo os dados publicados, em 1924, existiam na Madeira cerca de 60 mil bordadeiras de casa, em 2017, a estimativa descia já para as cerca de 3 mil.