Susana Fernandes
Susana Fernandes
O mês de novembro apressou-se a chegar ao fim. Altura de fazer os segundos testes do 1º período e já nos invadia a ansiedade pelas férias. Férias de Natal!
Ali em São Roque, vivia-se intensamente toda esta época que chegava juntamente com o tempo mais frio e algumas chuvas.
Mas não. Não era para ir às compras. Nem correr ao multibanco levantar mais e mais dinheiro que faltaria no mês de janeiro. Nem para despir as lojas de todos e mais alguns artigos para decorar a casa. Era muito mais interessante ir à serra buscar galhos, troncos, musgos… que estivessem por lá no chão. Nada de ir para o computador (que nem existia) enviar os abraços e beijos de forma virtual. Isso fazia-se tocando-se e sentindo o calor de cada um dos amigos, familiares e vizinhos…
Ainda é cedo para fazer o presépio, mas antes de chegar esse grande dia, há muito trabalho para fazer! Sim, que das férias que se aproximam quase só tinha nome. As tarefas que eram atribuídas a cada um enchiam os dias e madrugavam connosco quando começassem as missas do parto. Só descansaríamos mesmo no dia de Natal!
Com ou sem chuva é tempo da casa ser escafiada de cima abaixo. Todos os cantos e recantos. Isto apesar de, ao longo do ano, a casa ser sempre limpa. Mas esta é especial. É a limpeza da Festa e tudo tem de brilhar intensamente!
Um a um, todos os quartos eram despidos até o esqueleto. Se havia sol… o jardim enchia-se com os catres das camas desmontadas, os colchões arejavam até o sol se esconder, as roupas que enchiam os vestuários eram todas penduradas, com os seus cabides, nos arames onde costumávamos estender a roupa para secar.
Não escapava uma teia de aranha, nem no teto nem nos cantos. E se alguma achava que sobrevivia, no momento em que os irmãos caiavam as paredes, davam então o último suspiro.
Hum… este é um dos primeiros sinais da Festa.
Mas havia mais. Na cozinha, sob o frigorífico já havia um aroma particularmente especial que enchia a casa. Eram colocadas num copo daqueles altos da tupperware e ali derramavam o seu aroma intenso. O pai orgulhosamente trazia da fazenda lá do galeão, e oferecia à mãe, aqueles junquilhos que nos anunciava que a Festa estava quase a chegar. Ali permaneciam, sempre refrescados quando ao sábado o pai tornava à fazendo e voltava com outro ramo de junquilhos para a “jarra especial”. E como cheiravam intensamente aquelas delicadas flores.
No meio da azáfama que nos ocupava a todos, aparecia a prima Agostinha com as filhas lá em casa nas suas regulares visitas à prima Conceição. E nós não percebíamos como é que tinham tempo para visitas nessa altura. Havia tanto que fazer! E elas achavam imensa piada ao ver a nossa casa quase desmontada.
Cuidado! Olha as loiças espalhadas no chão do quintal. Sobre um plástico e toalhas estendidas, estavam a secar e a revelar o seu brilho, sem poeiras ou cheiros a mofo de estarem fechadas o ano quase todo. As melhores loiças eram tiradas dos armários. Aquelas que só eram usadas na Festa. Repetia-se o ritual. Duas banheiras de plástico, uma cheia de espuma onde delicadamente lavávamos cada prato, cada copo, cada talher que seria usado quando a casa enchesse com os tios, tias e os primos todos e vizinhos e qualquer um que viesse visitar o nosso belo presépio que seria construído com troncos e muito musgo.
Outros aromas iam se substituindo dentro de casa. O do petróleo que lavava o chão de tacos, para matar todos os bichinhos da madeira e depois o da cera que preenchia todos os poros que no chão existissem. Andávamos de “escorrega”, puxados pelos irmãos quando era para dar o lustro. Sentados nas velhas camisolas de lã, que viravam trapos, um puxava pelas mangas e o peso do nosso corpo sob o trapo ia deixando o rasto brilhante de um chão que ofuscava tanto como a gambiarra colorida que ia ser colocada no pinheiro.
Na cozinha já havia uma banheira que ficava completamente amarela com o caril e mostarda para os pickles. Uma mistura que a mãe tão sabiamente sabia fazer e parece que tinha segredo, pois não havia melhores pickles que aqueles. Hum e a cebola escabeche!?? Que sabor maravilhoso tinham aquelas pequenas cebolinhas todas arrumadas nos belos frascos de vidro que antes foram de café, mas depois de lavados e arejados encerravam em si os sabores da Festa!
E como os aromas e um simples balão de soprar no enchiam a alma…. Era o tempo da simplicidade e da riqueza de coisas que não precisavam ser caras, mas eram riquíssimas.
Nem imaginam o que era quando começávamos a picar os frutos secos para os bolos de mel e broas. Sentados na mesa da cozinha, os mais pequenos tratavam dessa tarefa enquanto os mais velhos guardavam as forças para amassar os bolos. E era tão divertido amassar as broas, e fazer as bolinhas com as nossas pequenas mãos, roubando de vez em quando um pouco da massa porque seria muito doloroso esperar até estar tudo cozido. Depois, ainda madrugada lá subíamos a ladeira para ir à padaria no “Encontro”. Já estava reservada a hora e espaço para os nossos bolos e todas as broas poderem ser cozidas nos grandes fornos da padaria. Ali juntavam-se muitos vizinhos, pois nesta época, o dono da padaria gentilmente oferecia esse espaço para as pessoas que não o pudessem fazer em casa. E eram muitas as que não tinham forno para tão grandes quantidades de broas e bolos.
Enquanto esperávamos, de olho nos nossos tabuleiros, a nossa curiosidade passeava pelos outros tabuleiros reparando em como colocavam as amêndoas ou nozes na decoração dos bolos de mel, ou nalgumas broas que pudessem ser diferentes das nossas. Apesar da variedade ser grande, pois havia de mel, de manteiga, as areias, os palitos de cerveja e aquelas que o pai adorava, as de côco.
Os dias passavam rápido e a Festa estava ali mesmo ao dobrar da equina. Mas antes ainda tínhamos de passar pelo sacrifício de sentir aquele cheirinho dos bolos e broas em casa, que rivalizava com o cheiro dos junquilhos, mas que estavam guardados em latas, ciosamente controladas pela mãe, para que a nossa tentação de ir lá provar não fosse conseguida. Ah mas havia maneira de dar a volta e algumas broas eram disfarçadamente provadas sem que a mãe nos apanhasse!
Já cheira mesmo a Natal E é tempo de ainda plantar as searas, e continuar nas limpezas, além de estar quase a chegar o dia em que começam as missas do parto e aí, com ou sem vontade, de madrugada éramos todos acordados para começar a preparar o mais importante da Festa: o Nascimento de Jesus.
A cada dia que passa o cheiro da Festa, torna-se mais intenso e em cada casa de São Roque sente-se esse aroma…