Mara de Sousa
Mara de Sousa
«Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo…
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura…»
“O Guardador de Rebanhos”. In. Poemas de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa.
Todas as histórias começam assim e esta é a história das histórias da minha aldeia, a aldeia que por ser tão grande carece de muitas histórias. São histórias de uma terra, das suas gentes, dos seus costumes, histórias carregadas de vida, iluminadas por sonhos, regadas com muito amor e, como todas as histórias, com um fim, para aqueles que partem, ou talvez para um novo (Re) começo onde aqueles que partem permanecem connosco e ficam eternizados na memória da sua terra, no coração da sua casa, na minha aldeia.
Todas as histórias são de amor quando regressamos a casa, onde verdadeiramente está o nosso coração, aquele mundo que guarda cada momento da vida na caixinha dos tesouros mais preciosos da família, da existência de cada pessoa, dos valores, dos hábitos, das virtudes, dos constrangimentos, da verdade, da mentira, do sucesso e do fracasso enfim, da vida que revela o quanto da minha aldeia podemos ver do Universo. A minha aldeia é tão grande!
A minha aldeia, acreditem, é aquele lugar eterno e especial! Digo-o e vejo-o com muita clareza e a cada momento, em cada regresso vejo aquilo que nunca tinha antes visto. É fascinante! Por mais distante que possamos estar ela tem-nos bem guardados e nunca permite que esqueçamos: lá no alto da nossa Serra, no Santo da Serra, «cada coisa a seu tempo tem seu tempo» [Odes de Ricardo Reis], logo cada momento, a seu tempo, nos trará de volta ao lugar que é o nosso, no mundo, no Universo, em nós.
Vou contar-vos, na minha aldeia mora uma menina de rosto alvo, delicado, cabelo cor de mel, com um bonito laço azul a segurar os seus longos caracóis. Os seus olhos, bem abertos e brilhantes, da cor dos verdes campos e com a luz do horizonte que se avista lá do alto da minha aldeia.
Curiosa, tímida, serena, cuidadosa, elegante e sempre com uma nuvem que ora paira sobre a sua cabeça, ora é o trampolim no qual salta de nuvem em nuvem – os sonhos, as histórias, o mundo. A menina que mora na minha aldeia faz muitas perguntas, demora-se a escutar as histórias dos sábios, contemplando e acariciando as suas rugas. Espanta-se a cada nascer do Sol, escuta o vento e aprende as suas lindas canções transformando-as numa linda dança entre as folhas, os ramos e ela própria. A menina da minha aldeia dança suavemente por entre as flores e as borboletas, e sonha. No seu rosto nasce e permanece um sorriso eterno, rasgado, doce, terno, sublime… a beleza dos seus sonhos convida tudo e todos a dançar a seu lado, a ousar acreditar na beleza dos seus sonhos. Os sonhos, os sonhos…
A menina da minha aldeia olha o Céu, fixa o mar e sente a terra. Parece, na sua ingenuidade de criança conversar com o horizonte, aquela linha que parece unir ou separar o céu e a terra ou o mar. Explica-lhe o quanto da sua aldeia está em si, o quanto da magia daquela serra preenche o universo. Nessa conversa o Sol começa a despedir-se – lá no alto da serra o Sol parte mais cedo-, ela diz-lhe adeus e salta de alegria, agora poderá assistir às brincadeiras entre a lua e as estrelas. Tudo, a cada instante, é magia e sonho, wow!
A noite cai, escura, fresca, húmida e, lá está, a primeira estrela a brilhar, resplandecente, vaidosa, audaz, bela. Sim, pensa a menina da minha aldeia, nenhuma escuridão será apenas isso – escuridão – haverá sempre uma luz, o brilho daquela estrela, iluminando o seu rosto, para sempre, la bem no alto da serra, a 568 metros de altitude, naquela noite de Verão, na minha aldeia, onde está o coração da menina.