Isabel Cristina Camacho
Isabel Cristina Camacho
Os dias que antecediam as “Festas de Agosto”, eram vividos em grande azáfama e alegria! A primeira delas era ir à cidade comprar a roupa e os sapatos para estrear no dia do Arraial, nem que estes, de verniz, lindos (àquela altura) causassem um suplício de bolhas nos pés, para percorrer as nossas veredas, era imprescindível ter uns para exibir nesses dias.
Marcavam-se os ensaios para a romagem, e o pessoal do sítio juntava-se num terreiro que fosse espaçoso. Quando as noites quentes de agosto começavam a cair, abalavam todos, velhos e novos, quer fosse para participar ou simplesmente para ver, ninguém ficava indiferente àquela alegria, àqueles momentos inéditos que traziam uma vida nova aos pacatos sítios, onde quase nada acontecia, para além da chegada dos emigrantes da Venezuela ou das ilhas do Canal, que vinham a propósito para os arraiais.
Aos primeiros acordes do acordeão, acompanhado de um bumbo e castanholas, já o coração bailava! As mulheres colocavam-se ao lado do acordeonista com pequenas folhas de papel, onde haviam copiado as quadras que alguém (normalmente a minha mãe) criara para o grande dia, o sábado do Santíssimo Sacramento ou de Nossa Senhora do Livramento. Os seus rostos sérios, o medo de desafinar ou não conseguir apanhar o som, contrastavam com a alegria e descontração dos adolescentes (em que me incluía) e crianças que “iam por vilões” e formavam uma roda ou uma fila alinhada de pares em coreografias, às vezes desajeitadas, mas que mereciam a admiração dos mais velhos, que acocorados ou sentados nos acentos do terreiro, apreciavam com especial alegria aquele espetáculo! Por vezes prolongava-se pela noite dentro ao som do despique, dos homens que cantavam ao desafio cantigas improvisadas, sem nunca fugir à rima. Mulheres e crianças bailavam sem se lembrarem da rudeza da vida desses tempos e éramos felizes, tão felizes!
Nas madrugadas, o silêncio e a calma eram interrompidos pelos “bilros” e assobios dos pastores, que abalavam rumo ao montado, com o farnel a tiracolo, um cantil de vinho e um bordão de conto, para garantir que não faltaria na boa mesa curraleira, o nosso famoso cabrito. Aproveitava-se o “debulho” do animal, (as tripas) que era lavado na ribeira e depois, juntamente com os “canelos”, seriam o mais belo manjar, os maranhos! Levemente aromatizados com hortelã, e com semilhas miúdas cozidas no mesmo molho, será talvez das receitas mais antigas e mais deliciosas desta terra e que já bem poucos sabem confecionar.
Chegado o grande dia, era o cantar e bailar durante horas, na longa mas fantástica caminhada até ao arraial! A Romagem era organizada em cima da velha ponte, onde esperávamos o Sr. Padre, os festeiros e a Banda. À frente um cabrito enfeitado com uma gravata e uma nota nos cornos, puxado por um rapazinho, logo atrás os vilões, que é como quem diz, a canalha que ia bailando, depois o acordeão e cantoras, muitas ofertas em açafates, bolos, pão, vasos de flores e uma barca, carregada de produtos da terra, às costas de dois jovens, (que nessa altura tinham pachorra para essas romarias) juntos, íamos em Festa, cada sítio fazendo o melhor que podia e sabia e depois era o leilão das oferendas: “Quem mais dá?” gritava alguém o mais alto que podia.
Cantávamos e bailávamos até que nos doesse a voz e as pernas… até que começasse a Novena, na nossa bela igreja engalanada, os cânticos, a manifestação da Fé e depois o arraial, um cordão de rebuçados, uma espetadinha com a família…isso já toda a gente sabe e conhece, mas esta envolvente, estas tradições, sim…eram as nossas Festas de agosto!