Tânia Sofia Gonçalves
Tânia Sofia Gonçalves
Nos dias de hoje, ter água em casa é um bem comum, as famílias que ainda não usufruem desta necessidade de forma regular, vivem, com certeza, para além dos fundos da pobreza.
Contudo, num tempo não muito longínquo, a realidade era bem diferente. A água corria abundantemente pelas escarpas e pelas ribeiras, mas foi necessário canalizá-las através de levadas, esculpidas à mão e à enxada, pelos nossos heróis, entre as montanhas, desde os locais de abundância até aos de grande escassez.
Em Santa Maria Maior, aliás, tal como em toda a ilha, as famílias abasteciam-se de água potável nos fontanários mais conhecidos por fontes, que se encontravam construídos em locais estratégicos, nos núcleos populacionais, de modo a que cobrissem o maior número de habitações.
Era frequente observarmos as mulheres, e alguns homens, com os “aguadores” e os baldes a caminho das fontes recolher o líquido precioso para as lides de casa. Enquanto esperavam pela sua vez, pois a água caía da torneira lentamente, aproveitavam os momentos para partilharem as mágoas e as alegrias e, sobretudo, perguntarem sobre a vida dos outros. Os homens, mais atrevidos com as palavras de encantar, como se pode ler nas metáforas das cantigas e da poesia tradicional popular, vão “fazendo olhinhos” e criando as melhores oportunidades para puxar conversa às moças bonitas e recatadas. Os fontanários transformavam-se assim em locais de encontros, amizades e, de acordo com a história, muitos casamentos nasceram à sua volta.
Algumas famílias da nossa freguesia tinham o privilégio de possuírem um poço de água em casa, que era enchido pela “água de pena” ou pela “água de rega”, consoante a dimensão. Era uma boa ajuda porque não só servia para regar a fazenda, como a utilizavam para lavar os chiqueiros, os galinheiros, as botas apinhadas de terra e os utensílios da agricultora. Além desta utilidade, os mais jovens, sempre criativos, nuns dias, dedicavam-se à pesca de rãs, enquanto nos outros, principalmente no verão, transformavam o poço numa piscina pública. Entre o verde das ervas secas, o lodo verde vivo e as rãs, os rapazes mergulhavam e brincavam até à exaustão sob o olhar tímido das raparigas que não tinham a autorização para se juntar à algazarra. A água não caía apenas nas fontes nem nos poços de rega, existia ainda os chamados poços públicos, onde as mulheres, enquanto cantavam e bilhardavam, iam lavando e esfregando a sujidade da roupa, encharcada de sabão azul, contra a pedra e o cimento do poço, antes de estendê-la a corar ao sol.
Santa Maria Maior tem algumas dezenas de fontanários e a Junta de Freguesia, porque reconhece o valor cultural e histórico de cada um deles, tem feito um ótimo trabalho de recuperação e restauro destas relíquias tradicionais, preservando a memória do nosso povo, deixando para as gerações futuras e presentes os vestígios culturais de um tempo que marcam a identidade de uma vida difícil.