Renato Brito
Renato Brito
Eram sete e meia e eu estava chegando a casa. Saltei na paragem, aliás, saltamos todos. Naqueles dias éramos uns 10 somente naquela zona a que chamavam o “Caizinho” e nem barcos se aquilo tinha.
Nunca entendi. Dispersamos rapidamente em um adeus de até amanhã e de quem só queria chegar rapidamente a casa para descansar a mochila da escola.
Na passada, fez-se o silêncio e agora ouvia-se a água a descer. Eram pedras, era o barulho, eram os estalos, era força e era a energia. Dizia a minha mãe que se tratava da água de giro (também nunca percebi como é que ela girava mesmo).
Começava eu a correr. Eram setenta e três escadas, não, afinal eram setenta e duas porque tinha aquela escada gigante difícil de saltar (ainda tenho marcações disso). Nesse tempo não falávamos em Usain Bolt e eu já descia aquelas escadas em um sprint de nove segundos. Se tivesse uma GoPro com toda a certeza estaria no Youtube.
Adiante, deveriam ser umas sete e quarenta e eu tinha chegado ao mesmo tempo que a água de giro ao meu quintal, era de fartura, tanta que não sabia se a virava à direita, à esquerda, ou deixava-a seguir.
Era tanta a energia que não sei de que forma a água sobrevivia a tanta curva e contracurva. Sei que dava para tudo e para toda a gente. O coitado do meu vizinho até levava com água sem saber.
Hoje, e não são sete e meia nem sete e quarenta, a água já não corre como antes e muitas pessoas já não correm como antes e nem a freguesia já corre como antes. Corríamos com as pernas e hoje corremos com os carros, com as mentes, em todas as frentes. Esgotamo-nos sem ouvir o estalar da rocha enquanto rola na água. Como a água de giro! Cansamo-nos sem sequer ter saltado do autocarro. NEM TOCAMOS A CAMPAINHA!
É urgente trazer a água de giro. Aquela, outras, as passadas – as do futuro. A água deve continuar a correr nas levadas e deveríamos voltar atrás e recuperar o que a tecnologia nunca poderá trazer.
É dever recuperar as paragens nas quais deixaram de ter passageiros.
É urgente recuperar, rebobinar, reavivar, retomar, reaver.
Que a criatividade nos salve!
Que a água de giro volte!
Às sete e meia!