Manuel Vieira
Manuel Vieira
Para os mais jovens, o acrónimo PREC dirá muito pouco ou nada. Quer em termos de conteúdo, quer em termos políticos, quer em termos circunstanciais, etc etc.
Pois o PREC – Processo (também Período) Revolucionário Em Curso, em termos cronológicos e em traços largos, corresponde ao processo e período que ocorreu entre o 25 de Abril de 1974 e que terminou com o 25 de Novembro de 1976. Este período conheceu, em nome da liberdade e doutros valores revolucionários, muitas acções extremadas, no âmbito da ocupação de casas, de empresas, saneamentos políticos, da Reforma Agrária, etc.
Ora, alguns dos que me brindam com a leitura dos meus escritos, certamente ficarão admirados em relacionar a sempre pacata gente do Loreto com as acções revolucionárias ocorridas noutras paragens, naquele período conturbado da nossa História recente.
Vamos aos factos…
Corria o ano da graça de 1975. Estava a prestar o serviço militar obrigatório. À época, no Loreto, quem quisesse tomar uma bica tinha de ir “à baixa”, pois, ao contrário do que sucede hoje, não havia mais estabelecimentos com máquina de café. Também, era um pretexto para se encontrar com amigos, pois o centro estava ali, ao pé da capela, debaixo das árvores, as “placas do Loreto”, uma referência ainda actual.
No decurso dum encontro, fiquei a saber que os agricultores continuavam a fornecer o leite à “desnatadeira”, embora estivessem a decorrer meses e meses, sem qualquer pagamento. Por coincidência, nesse dia, entre os plátanos do Loreto, estava estacionado o jeep com os “fiscais” da entidade adquirente do leite, para “tirar o grau”. É que o preço do leite dependia da qualidade das recolhas efectuadas. E as recolhas eram feitas por trabalhadores da empresa adquirente desse leite.
As pessoas estavam revoltadas, porque, segundo diziam, para reduzir o preço a pagar, a empresa tinha recursos. Para pagar, não havia. Esta matéria estava fora da alçada dos “fiscais”. Mas eram eles os interlocutores do povo. Eles é que ouviam os dichotes, as “bocas revoltadas”, pela injustiça de que estavam a ser alvo.
Não me contive e disse-lhes:
– Os fiscais não têm culpa. Só podem levar o recado. Mas o jeep é da empresa. Retenham o jeep!
– Mas como?
– Coloquem umas pedras à frente e os fiscais vão perceber que o jeep não é para sair donde está.
Dito e feito!
Os fiscais chamaram um táxi para regressar ao trabalho e levar as amostras recolhidas e o mais que lhes competia.
O alarde espalhou-se. E foi grande! E produziu o resultado pretendido em tempo útil, isto é, houve lugar a pagamento do fornecimento do leite.
Passado algum tempo, os principais cabecilhas identificados do movimento foram chamados a prestar declarações na PSP, no Funchal. Compareceram no local e data da notificação. Uma sexta-feira, à tarde.
Nesse dia, nenhum deles regressou a casa.
Familiares dos retidos vieram falar comigo, uma vez que eu tinha sido o “conselheiro” dos actos. Do mesmo café, telefonei para a PSP, no Funchal. Queria saber o que tinha sucedido aos cidadãos que tinham ido prestar declarações, não tinham regressado e as famílias desconheciam o que lhes tinha sucedido.
– Só o comandante é que lhe pode fornecer essa informação! – responderam-me do outro lado da linha.
– Então, faça o favor de transferir a chamada para o comandante.
Face à gravidade da situação, foi possível entrar em contacto com o comandante. E a situação acabou por me esclarecer. Segundo aquele responsável, o inquérito excedeu o tempo previsto tendo terminado depois das 17h30m, hora de partida do último “horário” para a Calheta. Então ficaram nas instalações da instituição, mas não na qualidade de detidos.