Neste fim de semana, a freguesia do Jardim da Serra enche-se de cor e animação para acolher a festividade em honra da cereja. A primeira edição do certame remonta ao ano de 1954, na altura, por iniciativa do popular médico da localidade, Dr. António Vitorino de Castro Jorge (1913-2004), que impulsionou a celebração de uma cultura que ganhava cada vez mais expressão nos poios das zonas altas do Concelho de Câmara de Lobos.
E, ainda que a produção da cereja tenha registado, nos últimos anos, uma acentuada diminuição, a memória coletiva da população local ainda tem bem presente as vivências e hábitos das colheitas de outrora. Potenciado por um microclima particular e por uma orografia própria, o cultivo da cereja no Jardim da Serra era assumidamente de caráter familiar, constituindo uma importante fonte de rendimento para as gentes da terra, que se dedicavam sobretudo à agricultura e à pecuária.
Assim que as cerejeiras começavam a florir, cobrindo a paisagem da freguesia com um curioso manto branco, eram muitos os que faziam excursões até à serra para se deliciarem com este espetáculo da natureza. Por volta de maio e junho, era altura de “subir às cerejeiras”, de cesto e gancho, para, com o maior dos cuidados, colher o fruto. E, entre o puxar de um galho ou outro, as mulheres entoavam cantigas improvisadas, de lombo a lombo, contando com as trovas recíprocas da vizinhança, que também estava na tarefa da “apanha”. As bordas e os fundos dos cestos maiores eram previamente preparados para receber, por vezes, mais de seis arrobas de cerejas. Numa altura em que não existiam estradas, nem automóveis por aquelas bandas, o transporte destes cestos ficava a cargo dos homens, que, madrugada dentro, os carregavam às costas até aos fregueses da cidade, apenas amparados no seu “bordão” e na sua “molhelha”.
No fundo, muito além do impacto na economia familiar, a produção deste fruto revelou-se também fundamental para o aclamar de tradições, usos e costumes da localidade. Quer através das próprias etapas de desenvolvimento do fruto, quer através da sua colheita e venda, existia um conjunto de particularidades que foram, sucessivamente, contribuindo para a afirmação de uma identidade local. E são as memórias destes tempos e as vivências que fazem parte integrante da existência coletiva do Jardim da Serra, que agora são espelhadas na festa e representadas no cortejo alegórico e etnográfico a realizar-se realizar no próximo domingo.
Lisandra Faria