Paula Noite
Paula Noite
Era quase um ritual. No dia 8 de dezembro, o trigo era posto de molho para as searinhas da Lapinha.
Procuravam-se então as latas de conserva das sardinhas onde seriam plantadas.
Quando começavam as missas do parto, no dia 16 de dezembro, já elas começavam a espreitar timidamente, fora da terra.
A Lapinha era em escadinha. A mesa, no canto era coberta por uma colcha vermelha, de tom escuro, adamascada. Sobre esta, uma toalha branca arrendada. A escadinha muitas vezes era feita com caixas sobrepostas, em ordem decrescente. A última, mais pequena no tamanho, mas muito maior em significado, era onde ficaria o Menino Jesus.
Sim, porque este era um tempo em que não havia coca-cola nem Pai Natal. Era o Menino Jesus. Pedíamos-Lhe a prenda, e se nos portássemos bem, tê-la-íamos posta junto ao lar, na cozinha a lenha. Para os adultos havia, em tom de brincadeira, uma bota velha. Quando ouvíssemos o primeiro foguete, antes da Missa do Galo, feita à meia noite, saltávamos da cama e íamos a correr ver o que o Menino nos tinha trazido. Fazíamos então uma festa com brinquedos simples, de plástico, madeira ou de dar corda.
Era este o Menino que queríamos no cimo da escadinha.
Por detrás da mesa era posto o pinheiro que espalhava o seu aroma por toda a casa. A pequenada tinha uma tarefa importante – soprar as “borrachas da Festa” – os balões, em tons do arco íris, para enfeitarem o pinheiro que os segurava. Um arco era posto atrás, de ponta a ponta da mesa, no sentido do comprimento. Coberto de alegra-campo, apanhado fresco nos montes, palmilhados e vasculhados um dia antes. O musgo fresco e as cabrinhas também esperavam a sua vez para serem colocados naquela mesa, para enfeitar o lugar do Menino. Em cada lado havia um solitário com um ramo dos junquilhos da Festa que espalhavam o seu aroma por toda a casa.
Nos dois primeiros degraus e sobre a mesa eram espalhadas então as cabrinhas e o musgo. Eram colocadas também frutas: nozes, castanhas, anonas, tangerinas, pêros, anonas… e um pão pequeno – um “brindeirinho”, numa escadinha que poderia simbolizar a conquista titânica do madeirense, à nossa orografia – os socalcos. Tudo em homenagem ao Menino para que nos desse fartura no próximo ano. As latas de sardinha eram dispostas naquele espaço e as searinhas iam crescendo, acompanhando a passagem da “Festa”, como diria Horácio Bento, “Festa no campo, Natal na cidade”.
A festa era então a Lapinha, em escadinha ou em papel, com muitos musgos, o pinheiro, as searinhas, com o Menino Jesus, São José, Nossa Senhora, os pastores. As Missas do Parto às cinco ou às seis da manhã com o toque do búzio a ecoar na manhã fria de inverno, chamando o povo para a igreja; a morte do porco que reunia a família e os amigos. A doçaria da festa: o bolo, as broas de mel e o bolo preto, preto mesmo, recheadinho de frutos secos e o licor de tangerina. E não podia faltar a carne de vinho e alhos.
A Missa do Galo à meia-noite, com romarias de todos os sítios, com ensaios na loja, regadinhos de licor e” macia” (aguardente com mel), as charolas com produtos da terra e as barcas com as notas de vinte e cinquenta escudos.
O dia de Natal era um dia calmo, em casa com a família. Seguia-se a primeira oitava, dia de visitas – à família e aos amigos – com almoços e jantares com muita gente, muita conversa, gargalhadas e jogos de cartas.
Rapidamente se chegava ao fim do ano, data em que a maioria ia à cidade (na altura só o Funchal), para ver o fogo.
Hoje: nem sempre as Missas do Parto são de manhã; nem sempre a Missa do Galo é à meia noite; raramente se fala do Menino Jesus e o Pai Natal está na ordem do dia; a 25 de dezembro já não ficamos sempre em casa e continuamos a ir à “cidade” ver o fogo de fim de ano.
Muito mudou desde então, mas há algo que perdura no tempo: a Lapinha com o Menino Jesus e o Natal como a festa da família.
Com o sentimento de que o Natal deveria ser vivido todos os dias.
“Natal é quando o homem quiser, Natal é quando nasce um fruto do ventre de uma mulher…”.
– Boas Festas! – como se dizia “no meu tempo”.