Susana Fernandes
Susana Fernandes
A “Festa” invade as casas, as famílias, a paróquia e a Igreja, envolvendo todos neste ambiente de magia que perdura ao longo do mês de dezembro até meados de janeiro. Enquanto não “limparmos os armários” continuará assim. O aroma de Natal, viverá em todos nós.
O sorriso é mais fácil, as atitudes mais genuínas, os gestos de bondade mais espontâneos, a tolerância e empatia naturalmente se antecipam ao nosso pensamento e agimos levados por esse cheirinho.
Parece que todos e cada um de nós lembrou-se de dar o melhor de si!
Em São Roque, naquele tempo, era assim. Em São Roque, e em todo o mundo, atualmente, ainda pode ser assim, se cada um se deixar invadir por este aroma de Natal.
A noite ainda cerrada, os sinos da Igreja dão as badaladas a convidar todos para as missas do parto. Nem vale a pena fingirmos estar a dormir. Faça frio ou chuva não há desculpas. Com algumas ramelas ainda pregadas nos olhos íamos todos ladeira acima, aconchegados uns nos outros, na tentativa de sentir menos frio. Acordávamos à medida que mais vizinhos se juntavam a nós e ao chegar à Igreja já todos estão bem despertos. A Igreja ilumina-se para a preparação que é feita com devoção e alegria.
O ambiente de festa, luz, cânticos, apura-nos os sentidos e na saída toca o rajão e os licores já feitos para a Festa são distribuídos para aquecer a garganta dos que podem beber e provam-se as broas de diversos e ricos sabores.
Naquele tempo, não havia selfies, nem diretos para internet. Não era preciso publicitar nas redes sociais para juntar muita gente em cada uma das 9 missas do parto. A enchente na igreja era espontânea e, simplesmente, a natural preparação espiritual para o Natal.
Ali, em São Roque as portas das casas abriam-se para, logo cedo, para irmos visitar os presépios e até tomar um cacau ou um anis. Já que estávamos acordados aproveitávamos para ensaiar os cânticos para a missa do Galo. Há que apressar porque está mesmo aí à porta e ainda temos de preparar o Auto de Natal que envolvia muitas crianças, jovens e adultos. Grande parte da comunidade, de uma forma ou de outra, contribuía e vivia intensamente todas estas etapas para a Festa. E com sorte haveria um bebé recém-nascido para ser o menino Jesus da noite de Natal. Assim ainda era mais real quando no meio das vozes que cantam a “Noite Feliz” se ouvia o choro do bebé, participando também ele ativamente e nos transportando a todos para a gruta em Belém, vivendo esta noite mágica.
Enquanto as searas cresciam, as casas brilhavam, o cheiro da cera se espalhava, os dias passavam a correr e a nossa ansiedade aumentava para a grande Noite de Natal.
Sim, ansiávamos, mas não tanto pela vinda do Pai Natal. Nessa infância e adolescência ele era somente uma figura secundária. Não havia correria às lojas para se encher de sacos de prendas. Claro que todas as crianças desejavam olhar o seu sapato, que tinham colocado junto à lareira ou fogão, com uma prenda na manhã de Natal.
Mas, por muito que procure na memória não é esse o momento de êxtase, não era isso o que mais ansiávamos. Bastava aquele balão de soprar que tinha de durar vários dias para brincarmos sem que ele rebentasse. E dávamos tantas gargalhadas enquanto jogávamos o balão de um lado para outro. Era tanto e tão bom.
Mas a magia acontecia quando, na véspera de Natal à noite, nos juntávamos todos lá em casa, partilhando uma refeição especial que a mãe preparava com o requinte possível. Ao longo dos anos essa noite foi-se tornando também no momento da troca de prendas, pois vinham os irmãos e irmãs casados(as), cunhadas(os) e os seus filhos e éramos já muitos mais. No frenesim de dar as Boas Festas, provar os doces e os licores, que finalmente saíram dos armários e preenchiam a mesa, admirávamos o presépio tão elaboradamente construído com troncos e musgos representando fielmente a gruta no recanto da montanha, e merecendo a vénia ao menino Jesus. Jantávamos sentados à mesa ou de pé. Mas todos cabiam lá. Os sorrisos e alegria misturava-se com o entusiasmo e a intensidade da noite mágica. O estarmos juntos ali em casa era mesmo especial.
Essa foi a melhor prenda que recebemos dos pais ao longo de todos estes anos. Juntar a família e conviver em paz e harmonia.
Poderá hoje haver muitas e grandiosas prendas. Poderá hoje haver um Natal que se distanciou do espiritual e até do seu ponto central: o nascimento de Jesus. Poderá haver hoje o foco em todos esses aspetos secundários que vieram quase que substituir a razão de ser do Natal.
Mas é na família, no reencontro, no convívio e partilha que continua a residir o mais genuíno Natal.
E o Natal acontece quando nos juntamos todos e temos connosco os sobrinhos emigrantes, que voltaram à terra, os que estão de férias da universidade, os que cá estão e que puderam novamente sentar à volta da mesa todos juntos, conversando e convivendo, partilhando as experiências e vivências e alegremente brindando uns com os outros. Saudosamente falando dos que não podem estar fisicamente presentes, mas trazendo-os para a mesma mesa.
E o Natal acontece porque estamos em família celebrando, e o brilho nos olhos dos filhos que regressaram, o sorriso dos pais, tios e primos que os recebem é tão evidente da felicidade que sentem.
E o Natal acontece quando são eles próprios a dizer que não precisavam de prendas, nem de jantar especial, mas sim de estar ali todos juntos, em família com paz e harmonia, pois isso é o Natal e é disso que mais falta sentem quando estão longe.
E o Natal acontece no coração de cada um, porque puderam abraçar os seus e olhar os seus olhos e sentir o seu calor e carinho.
E o Natal aconteceu porque mesmo não sendo ainda a noite da véspera de Natal, houve a magia da união. E que melhor forma de homenagear o espírito de família que nasceu naquela gruta há milhares de anos atrás, em Belém, senão vivendo e permanecendo no seio da nossa família e de tantas outras que possam se juntar à volta da mesa.
Ontem o Natal aconteceu na casa do meu irmão. Não era 24 de dezembro. Não era a tal noite, mas a Magia do Natal envolveu a família toda que se reuniu em volta da mesa e testemunhou a felicidade sentida pelos mais novos, pelos que vieram de longe e ali estavam com a família a viver o Natal.
E ficou a certeza que o Natal perdurará no coração de cada um, desde que a família continue com o espírito de união.
Feliz Natal a todas as famílias de São Roque, de todas as outras freguesias da ilha da Madeira e do Mundo Inteiro.