Uma das tradições mais marcantes da Festa na freguesia de Câmara de Lobos, é a passagem, madrugadora das bandas do concelho a acordar as pessoas para a Missa do Parto. Durante 9 noites, o som dos instrumentos de metal e do fogo de estalo é a música de fundo que embala o sono dos câmara-lobenses.
Mas esta Festa, nas madrugadas de Câmara de Lobos, impera o silêncio. O sono não é entrecortado pelo som distante do hino da banda procedido pelo imperativo estrondo do foguete.
Para ir à missa do parto temos que programar o despertador, não há búzios nem sininhos a anunciar que está na hora de acordar. Nas igrejas de São Sebastião, do Carmo e de Santa Cecília o principal chamariz este ano é a fé. Não há cacau, carne vinha-d’alhos, macia, tin-tan-tun e anis para partilhar. Há quem advogue que as missas do parto transformaram-se num proto arraial, em que a fé é secundarizada pela da animação pós ato solene.
A verdade é que o convivo tem uma função importantíssima enquanto momento agregador da comunidade. A proximidade ao estranho é, este ano, necessariamente um bem escasso. Mas tal afastamento, dos momentos de sociabilidade espontâneos, poderá ter um reverso da medalha: o diluir do sentimento comunitário e do espirito de solidariedade entre a vizinhança. É o risco a correr em prol de um bem maior, a saúde pública.
Eventos traumáticos a grande escala, como por exemplo uma guerra, têm a tendência, em uma fase inicial, de promover o reforço do espirito de união entre a população afetada, contra o inimigo comum. Tal união dilui-se à medida que o evento se prolonga no tempo e a necessidade de sobrevivência dá lugar ao egoísmo instintivo de quem quer salvar-se a si e aos seus.
No caso desta pandemia o percurso é o inverso. Foi-nos pedido que nos afastássemos, que quebrássemos, ainda que temporariamente, os laços que nos unem. A desconfiança em relação ao outro instalou-se de forma célere e foi ampliada através do megafone das redes sociais. Mas nada resiste ao tempo e o que se assiste, depois de meses de distanciamento, é ao discurso da nostalgia da união.
Fomos poupados a cenários como os que se viveram em Itália, Espanha e mesmo no resto do país, e tal criou um sentimento falso de segurança. Não deixa de ser irónico que, no momento em que a situação pandémica na região é pior do que a que vivemos entre março e maio, o magnetismo da sociabilidade parece ser difícil de resistir para alguns, muitos dos quais foram os primeiros a apontar o dedo ao outro, fosse ele estrangeiro ou xavelha. As pessoas anseiam por proximidade, quero acreditar que toda esta distância culminará no reforço dos laços e da empatia para com o outro.
Esta Festa, nas madrugadas Câmara de Lobos impera o silêncio. Que assim seja para que para o ano ninguém falte à chamada da banda.
Magno Bettencourt, Sociólogo