Na Madeira, o mês de agosto é o mais significativo da época estival, uma vez que é nesta época que os nossos conterrâneos que se encontram dispersos pela diáspora, regressam na visita anual à sua terra natal!
Longe vão os tempos, era eu criança, em que este mês era marcado pelos grandes arraiais de verão, os quais relembro com saudade. Dos países de emigração como a Venezuela e a África do Sul, quase que autênticos “El dorados ” na época, os emigrantes tinham grande poder económico, poder esse que era mostrado sendo “festeiros” das principais solenidades religiosas da sua terra natal. Os arraiais de então eram festas onde se investia muito dinheiro…relembro a grande decoração das ruas em redor da igreja e até às casas dos festeiros. O fogo de estalo era em grandes quantidades, não faltava também a banda de música, em alguns arraiais até vinham duas bandas de música…e é claro que não poderia faltar um conjunto de ritmos modernos, os “Galáxia “ na altura estavam na berra e eram presença constante nesses eventos! Não poderia esquecer a vertente gastronómica…ir a estas festas e não degustar a espetada e o vinho com laranjada era quase imperdoável! Barracas com os tradicionais colares de doces e as bonecas de massa aos poucos foram sendo substituídos por barracas de brinquedos e rifas, entre os quais podíamos ainda encontrar aqueles doces tradicionais.
Na Ponta do Pargo, ocorria em agosto também a Festividade de Santo António, que ao contrário dos outros locais onde a festa decorria em junho, aqui assumia um caráter muito peculiar…a festa era feita pelos “regentes”. Os regentes eram nomeados anualmente, um casal de jovens ou crianças que em representação do sítio, acolhiam em suas casas as oferendas que os habitantes pretendiam oferecer à Igreja. Havia ainda alguns “regentes de promessa”, ou seja, aqueles que mesmo não sendo nomeados, os seus pais faziam a promessa para que os seus filhos fossem regentes.
Esta festa tem um caráter particular, é também conhecida pela “ Festa dos Tabuleiros”. A razão pela qual esta ocorria em agosto tem a ver com a época alta da produção agrícola em que as oferendas dos produtos da terra são expostas nos bazares. Cada sítio constrói o seu bazar numa estrutura feita de varas com verduras onde, depois da romagem no percurso entre a casa do regente e este espaço são depositados os produtos da terra levados em tabuleiros, cujo produto da venda é ofertado à Igreja. Estes tabuleiros de forma rectangular são feitos em madeira e cheios de trigo, um cereal abundante na zona. São encaixados nos mesmos uns cartuchos de forma cónica que em tempos idos eram recheados de açúcar. Essa reminiscência pode aludir aos “pães-de-açúcar” dada a sua forma. A Ponta do Pargo é uma freguesia predominantemente agrícola, mas não produzia açúcar, apesar de pertencer ao Concelho da Calheta que foi um grande produtor deste “ouro branco” e que ainda hoje mantém um engenho . Estes cartuchos são decorados com estampas de Santo António e têm distintos tamanhos. Alguns tabuleiros têm um ou três cartuchos sendo enfeitados com flores artificiais. Antigamente o tabuleiro maior, o do regente vinha coberto com ovos encaixados numa base de trigo. Os tabuleiros traziam produtos da terra coincidindo com as colheitas entre os quais trigo e semilhas. Hoje em dia encontram-se ovos, frutos, garrafas de bebida ou bolos.
Dos sítios mais longe da igreja, os tabuleiros eram transportados por “carrinhas de caixa aberta”, até à Cruz do Salão e a partir daí iam em romagem até aos bazares acompanhados pela banda de música.
Ainda na freguesia se realizavam outras duas festas: Nossa Senhora do Amparo e Nossa Senhora da Boa Morte, nos respetivos templos.
Foram tempos que ficarão na minha memória! Tempos nos quais se ansiava praticamente o ano inteiro pelos arraiais de verão porque tinham um significado especial: os nossos parentes emigrados chegavam para passar algum período de tempo junto de nós, fazendo convívios, passeios e partilhando as suas vivências nos países da diáspora. Hoje tudo mudou! Existem inúmeras diversões digitais, redes sociais, grandes festivais de verão que marcam uma nova era, particularmente nestes tempos de pandemia.
Mas, contudo, no fundo da minha memória ainda me revejo a bailar ao som da banda de música ao lado do coreto!
São lembranças que permanecerão sempre no meu baú das memórias, não seja eu uma apreciadora do Património!
Texto de opinião de Isabel Gouveia