Paula Noite
Paula Noite
Na vida, na nossa vida, poderia estabelecer-se um paralelismo entre ela e as estações do ano. Sim.
A primavera seria a altura em que nascíamos, desabrochávamos; no verão amadurecíamos e dávamos fruto. Chegado o outono, começávamos um ciclo que terminaria num inverno qualquer, tal árvore despida de folhas e de vida.
Efetivamente, vivemos a nossa infância com as brincadeiras e traquinices caraterísticas dessa fase, passando depois por uma adolescência um tanto ou quanto conturbada, com uma pressa doida de que os anos passem. Objetivo? Atingir rapidamente a maioridade, sermos independentes, fazermos aquilo que queremos, mas que muitas das vezes não podemos.
Começa então o nosso verão.
É quando surgem os nossos frutos, os filhos lelos quais sentimos um amor incondicional que nos faz mover montanhas. Que fazem parte de nós e mesmo quando estão longe, nunca partiram.
Neste ciclo, os anos passam muito rapidamente e quando nos apercebemos entrámos já na casa dos cinquenta, já meio século vivido.
É quando nos apercebemos que a vida passou a correr. E sentimo-nos já no outono da vida, tingidos dum tom mais escuro, quase castanho, como folhas caídas.
Neste quadro sentimo-nos descaídos e tristes, saudosistas até. Olhando para trás, revivendo momentos e lamentando aquilo que não foi feito.
Então, nos recônditos da minha memória, surge um quadro de infância.
Tinha eu sete anos quando entrei na escola. Cheguei e parei olhando o edifício. Fui devagar, um tanto ou quanto desconfiada, parando frente à escola. Observei e entrei. Tudo era velho. A casa, aquelas paredes já cinzentas, um quadro negro já desbotado e as “carteiras”, de uma madeira escura, plano inclinado, severas, à minha espera. Tudo velho menos a professora que me olhava com o seu cabelo grisalho, mas com um grande sorriso. Porque aquele sorriso, tal como o sol de outono, dourava o quadro velho, as mesas velhas, a sala e a escola velha. E a nós também, tornando-nos mais confiantes.
Assim poderá ser no nosso ciclo. Já passando do meio século, podemos (e devemos) acreditar que se o outono se reveste de um tom dourado, neste paralelismo, o outono da vida terá também esta tonalidade.
Passamos a dourar as pequenas coisas, aquelas que se calhar nunca lhes demos importância. O nosso olhar torna-se diferente, mais atento para a descoberta dos pormenores.
Passamos a viver com mais garra, cada dia como se fosse o último. Numa pressa de viver como se não tivéssemos tempo para fazer tudo o que queríamos. Arranjamos então tempo, aquele que nos faltou para fazer muito daquilo que queríamos. Porque acreditamos ter ainda tempo para concretizar muitos dos nossos sonhos. Sonhos e muitos deles adiados por várias circunstâncias; que no rodopio da vida foram arrumados algures. Esquecidos.
Valorizamos o sol, o mar, o vento, as montanhas, o acordar. E nos momentos em que a nostalgia estende o seu manto, lembramos que o outono se reveste de um tom dourado.
Que o inverno, muitas vezes revestido de branco, ainda está longe.
E continuamos a viver. Um dia de cada vez, mas com intensidade.
Porque, como um slogan feito outrora, “Mais do que dar anos à vida, temos de dar vida aos anos”.