Dannelly Fernandez é colombiana. Anabel Bettencourt é venezuelana. A primeira é técnica na área ambiental. A colega é médica dentista. Uma reside na Calheta. A outra na Ponta do Pargo. Aparentemente com diferenças, mas cada qual com um percurso semelhante de vida ligada à Venezuela. Decidiram vir para a Madeira deixando tudo para trás. Com dificuldades na expressão e na escrita recorreram à Casa do Povo da Calheta para poderem apreender português. A barreira da língua tem sido, para já, um óbice à compreensão e à comunicação.
São dois exemplos entre muitos que a colectividade tem apoiado e a prova que o papel das agremiações estão a ter para uma melhor adaptação de migrantes.
“Vim há cerca de cinco meses. Trabalhava num hospital, havia muito trabalho lá, mas não havia materiais nem era compensador”, dizia à entrada para uma formação de 48 horas em língua portuguesa. “Agora que cá estou quero fazer as equivalências porque estudei muito para tirar o curso para não valer de nada”, resumia o que pretende efectuar, salientando que na bagagem vieram os documentos e os certificados mas, primeiramente, “é preciso dominar a língua portuguesa”.
A seu lado Dannely. Casada como luso-venezuelano chegou há pouco menos de três meses. Pretende ficar por cá, confirma sem hesitações, embora reconheça que o choque da tranquilidade contrasta com o frenesim de Medellín. “O maior não foi esse. O problema tem sido a língua. Se falam muito rápido não entendo”, expressa num acentuado sotaque castelhano.
Lá dentro, na sala pintada a azul e amarelo estão mais 10 pessoas. Todas vindas da terra de Símon Bolívar. Nenhum trabalha o que agudiza ainda mais a condição, mas todos dizem ter sido bem recebidos. Muito mais Maria Ferreira. Com oito meses de gravidez arrumou a mala arriscando fazer a viagem transatlântica. Mas a vida na Venezuela é aquela que todos conhecemos. Aliás, pior, vinca. “Não se pode trazer certificados reconhecidos pelas respectivas entidades porque suspeitam que será uma viagem sem regresso. Perguntam-nos: se vais de férias para quê precisas de documentos e certificações?”, complementa durante a apresentação no primeiro dia de aulas.
Encostada a si outra conterrânea. Patrícia corrobora na versão deixando mais uma achega: “O que sucede é que muitos estão a marcar passagem de ida e volta para não deixarem suspeitas de que não voltamos, assim que a minha viagem foi paga com regresso, mas eu não volto mais”, assegura desde o fundo da sala.
Lá na frente, no quadro, está projectado qual a formação que vão ter e uma frase escrita pela formadora: “Se eu ganhasse o euromilhões o que é que eu espero desta formação?”. Uma pergunta para, quiçá, para um jackpot.
Casas do Povo com novas responsabilidades
O presidente da Casa do Povo fez questão de dar as boas-vindas aos participantes. O dirigente quis saber se todos estavam integrados e com a situação regularizada. Ao nosso jornal disse que a instituição tem oferecido respostas diferentes não estando circunscritas a cursos tradicionais sendo que “esta é uma realidade nova que se coloca ao concelho e temos procurado, dentro das nossas possibilidades, dando resposta concreta às necessidades das pessoas”.
“A esmagadora está desempregado ou tem trabalho precário, mas temos feito o nosso papel encaminhando-os através do polo de emprego procurando que percebam que têm uma porta aberta”, complementou.