Susana Fernandes
Susana Fernandes
Pego na folha de papel imaculadamente branca e na caneta azul para novamente regressar ao meu berço.
Neste desafio de escrever sobre a freguesia que me viu nascer e onde cresci, hesito… a caneta suspensa nos meus dedos a fazer sombra na folha.
Os pensamentos não conseguem olhar São Roque com o que acontece na actualidade. As feiras aos domingos no miradouro, ou as festas, acontecimentos desportivos e culturais entre muitas outras coisas.
Não, não consigo escrever sobre o agora. Deixo isso para quem vive a freguesia de hoje.
Tenho de falar do que sinto! Do que lá vivi! E quero que venhas comigo.
Todo o meu ser retorna à infância, à nossa casa, às nossas ruas, às fazendas, às árvores que trepávamos, aos cheiros e cores das flores que nesta altura primaveril já enfeitavam os jardins, às gargalhadas desgarradas, às brigas entre irmãos e amigos, à voz da mãe a nos chamar porque havia coisas para fazer em casa e eu não era uma “macheta” para andar na rua a jogar à bola com os pequenos.
Pensar, falar, escrever sobre São Roque é reviver, sentir, sorrir e agradecer!
Sim, agradecer por ter nascido numa freguesia tão vivamente rica.
Agradecer porque naquele tempo quase todos nós tínhamos irmãos! Quantos mais irmãos melhor! A alegria contagiava todos, trespassava do mais velho ao mais novo. Pois… deves estar a pensar… Isso era sinal de ter de repartir o pouco que havia com todos: a pouca roupa, os poucos sapatos, os poucos brinquedos, até a pouca comida! Mas sabes, aí também acontecia um milagre. No fim nada parecia pouco, dava e sobejava! Claro que estou a falar como irmã privilegiada, sendo eu a caçula da casa. A menina da baboseira de todos os 10 irmãos mais velhos!
Mas ali ao lado, o nosso amigo e vizinho era filho único. E ele tinha tudo! Tinha as roupas, tinha as sapatilhas, tinha os brinquedos, tinha a biciclete que partilhou com todos nós para experimentarmos, tinha o cão, tinha a comida em abundância e muitas coisas mais que nós não tínhamos!
Mas não tinha irmãos! Não tinha a casa barulhenta com as gargalhadas e zangas que nós tínhamos… com as vivências e experiências, cumplicidades e partilhas que só acontecem de uma forma especial entre irmãos.
Coloco-te a questão: Quem tinha mais? O que é que nós precisávamos mais? Nós? Ele? O que é que nos enriqueceu mais?
Podes ficar um pouco a refletir nisso. Eu já o fiz…
Por mim, vou continuar ali em São Roque a brincar alegremente na nossa rua empedrada, com os irmãos, vizinhos, primos, amigos. Todos conhecidos!
Todos sabíamos a hora de lá estar para brincar, a hora de voltar a casa antes que levasse uma sova, a hora de ir para a escola, a hora de fazer as limpezas da casa.
E sabes? Não havia telemóvel! Verdade! Não estou a brincar. Aliás nem telefone em casa, durante muitos desses anos da minha infância! Fazia falta? Não tínhamos, não precisávamos! Tão simples.
E ninguém se perdia, ninguém se atrasava, todos se encontravam, todos conversavam, todos comunicavam!
Hoje, neste retorno ao meu berço, sinto uma certa nostalgia ao saber que muita dessa magia encantada se perdeu no meio da tão bradada evolução.
E é esta viagem à nossa infância na qual hoje quis a tua companhia. Neste desapego das coisas, na felicidade da simplicidade, na gargalhada fácil, na natural partilha, no saber agradecer por tudo, mesmo tendo pouco, na qualidade de uma vida que só era possível no espaço de uma pequena freguesia que fazia dos vizinhos e conhecidos um alongar da nossa família.