Tânia Sofia Gonçalves
Tânia Sofia Gonçalves
A freguesia de Santa Maria Maior é o espaço e o tempo do meu crescimento, o berço das minhas origens. Uma outra casa, mais ampla, onde aprendi que, a par da família, os vizinhos, os amigos mais chegados, as ruas, as veredas, as levadas, as árvores, a venda, a catequese, o Liceu, os recados que em criança fazia à minha mãe, as entregas do bordado de minha avó, as corridas pelo caminho do Terço abaixo para apanhar o autocarro no Transval representam, não só a minha memória, mas também, um dos pilares da formação da minha personalidade.
Santa Maria Maior vai do mar à serra. Sou natural das zonas altas, Caminho do Terço, Farrobo de Cima, os meus colegas costumavam brincar comigo dizendo que “havia a serra e depois, mais acima, a minha casa”. Uma zona bastante procurada para contemplarem a paisagem fantástica do Funchal e assistirem ao fogo de artifício. Nos meus tempos de criança, parecia que a minha casa ficava mais longe do que atualmente, embora ficasse abaixo do campo da Choupana, tudo era mais distante, andávamos muito a pé. Debaixo do arvoredo, uma simples travessia de um ribeiro, parecia uma ponte perigosa, havia o poço da fonte, com monstros e feiticeiros, chegar ao Largo do Miranda, era uma aventura. Eu era a filha do fotógrafo, do Romeu e Julieta? Essa mesma. Pois, ainda hoje existe este hábito de se identificar as pessoas do sítio por serem filhos do fotógrafo, como eu, do merceeiro, do polícia, do leiteiro, do taxista, aliás, como é caraterístico em toda a região.
Ser a filha do fotógrafo tinha uma relevante importância na zona, inclusive, sendo o fotógrafo do ‘Romeu e Julieta’, o respeito ainda ganhava um privilégio superior. Nesse tempo, antes da toda poderosa era digital e revolução dos telemóveis, o ‘Romeu e Julieta’ era uma marca de referência regional, no âmbito da fotografia, tanto para as matrículas nas escolas, para os bilhetes de identidade, casamentos, baptizados, crismas, como para as fotos das Festas da Flor, Carnaval e fogo de artifício. A procura era enorme e bastante diversificada.
Na paróquia da Boa Nova toda a gente conhecia o sr. José, o fotógrafo. Os vizinhos mandavam revelar as suas fotografias na loja e o meu pai trazia para casa os envelopes repletos de fotos, e os respectivos negativos, para que eu, gentilmente, fosse entregá-los ao domicílio dos artistas amadores, sempre expectantes, porque as fotos tiradas eram uma incógnita. Pois, era uma outra realidade, um mundo completamente diferente do de hoje, gastavam rolos e rolos de fotografia com o olhar fixo no quadradinho minúsculo da máquina, sem visualização prévia, em termos de enquadramento, ângulos, distância e luminosidade. Era fixar, disparar e acreditar que o rolo estava bem colocado para ir rodando e guardando as fotos.
Não pagavam mais por isso, naturalmente, sabíamos que estavam curiosos por ver as suas fotos. Lá ia eu da Choupana ao Jardim Botânico, da Travessa do Pomar ao Transval e até ao Bom Sucesso fazer esse serviço de entrega. Sentia um orgulho muito especial, eu transportava a impressão em papel de momentos, instantes especiais, festas, brincadeiras, poses, sorrisos, alegrias, memórias, as histórias de cada um gravadas no papel da fotografia.