É inegável que esta pandemia veio mexer com todo mundo, uns de uma maneira, outros de outra, mas toda a gente foi afetada.
É inegável que o Governo Regional, no seu todo, esteve muito bem e desde o início, no combate a esta “praga”, que caiu sobre a cabeça do mundo inteiro, fazendo com que a doença na nossa região estivesse controlada e quem aqui vive e aqueles que nos visitam se sentissem seguros.
Sou músico desde 1996, atuando principalmente em arraias, e todo o tipo de festas de carácter popular, assim como casamentos e outro tipo de celebrações particulares. Como eu, existem centenas de artistas madeirenses nesta situação, sendo que, muitos deles, vivem única e exclusivamente desta actividade.
Desde que começou, e na parte cultural, houve aspectos menos bons, os quais tenho de alertar, uma vez que eu e os meus pares sentimos na pele, até porque, além de não ser bom que se repita, ainda vamos a tempo de ser corrigido.
Quando em março, parou tudo, o Governo Regional criou, e bem, uma linha de apoio aos artistas e instituições culturais que tivessem eventos cancelados.
Ora, o problema é que esse apoio só foi possível em acordos que houvesse contrato assinado, o que reduz a meia dúzia de eventos organizados pelas entidades oficiais, deixando de fora quem vive de arraiais e outras festas de cariz popular, em que o contrato assinado é a palavra de honra.
A Segurança Social criou uma espécie de subsídio de desemprego destinada, entre outros, aos artistas que passam recibos verdes, pagando durante alguns meses, entre 180 a 250 euros mensais, sendo que, em muitos casos, esse apoio já foi suspenso, e que nem dava para pagar a renda de casa, quanto mais luz, água, educação de filhos, etc., etc.
Todos conhecem a história da cigarra e da formiga, em que a formiga trabalha no verão para guardar para todo o ano. Nós, músicos de cariz popular, somos como a formiga, trabalhamos muito no Verão para viver durante o ano. Isto leva-me à questão, se não houve trabalho no verão, como vamos nós, esses artistas e suas famílias comer no inverno? Se os apoios não atingiram a nossa classe, como muitas das caras que vemos nos nossos arraiais, nas nossas festas de concelho, etc., etc., irão sobreviver?
Desde sempre que a música popular foi o parente pobre da cultura madeirense, mas nesta situação de excepção, podia e devia ter sido tratada de maneira diferente.
Alguém ligado à animação de cariz popular foi ouvido pelas entidades culturais? Vou mais longe, algum músico foi ouvido por quem tem a obrigação de zelar pelos artistas desta terra? Quem tem essa obrigação tem a noção que os intervenientes da música popular, sejam a malta dos “conjuntos”, o pessoal das Filarmónicas, são também agentes culturais, que elevam o bom nome da nossa região?
Foram criados eventos para ajudar os artistas, quantos “conjuntos” e “bandas de música” tocaram nesses eventos?
Existe fome na nossa classe, fome envergonhada, mas existe. Concordo com a proibição dos eventos, é por um bem maior, contudo, numa altura em que se grita que ninguém fica para trás, não posso aceitar que os músicos e restantes intervenientes nas festas populares tenham ficado para trás, não posso aceitar que, por se achar que existem Músicos e músicos, não se organizem eventos para que os do m minúsculo toquem, matando a fome de palco e ganhando algum dinheiro, que tanta falta faz.
Como disse, ainda vamos a tempo para ajudar, perguntem a quem sabe o que se passa, peçam opinião a quem sente na pele, a quem conhece quem enfrenta necessidades
Isto não é uma crítica a nada nem a ninguém, é um grito de alerta, há músicos populares a passar fome e outras privações. Criem eventos onde, claro, se cumpram as regras de segurança, para esta malta tocar. Criem uma linha de apoio, pois também pagamos impostos, mas façam alguma coisa pelas “formigas” que trabalham no verão para viver o ano todo e que este verão não tiveram trabalho.
Zé Francisco Abreu
Cantor de Música Popular Portuguesa.