Paulo Ladeira
Paulo Ladeira
A Fajã da Ovelha, que vai desde o mar à serra, atinge o seu ponto mais alto no Pico do Remal com 1320 metros de altitude, possui diversos tipos de terreno, consoante a sua cota e exposição solar, propícios à proliferação de diferentes tipos de musgos.
Como sabemos os musgos podem ser um fator de medição da qualidade do ar, pois algumas espécies só crescem em ambientes isentos de poluição. Assim, por aqui podemos deduzir a boa qualidade do ar que se respira na Fajã da Ovelha.
Cientificamente os musgos, as antocerotas e as hepáticas são três grandes grupos das plantas briófitas. Desempenham um papel importante nos ecossitemas, na estabilização de solos e rochas e na produção de biomassa e nutrientes. Na Madeira, no complexo e diversificado ecossistema constituído por árvores, arbustos, fetos e tapetes de briófitos, onde se incluem os musgos, estão registadas algumas centenas de espécies de musgos.
Os musgos mais longos e pomposos desenvolvem-se suspensos nas árvores da Floresta Laurissilva, sobretudo nos loureiros, tis e vinháticos. Refira-se que esta floresta ocupa uma área total na Madeira aproximada de 15 000 hectares. Na freguesia da Fajã da Ovelha desenvolve-se principalmente nas encostas altas das serras, da Fonte do Bispo, Pico dos Melros, Cruzinhas, Fonte da Achada Grande e com maior pujança nas encostas viradas a norte dos Picos do Remal e da Fonte do Bispo, no Lombo de São Pedro e no Galhano.
Na Fajã da Ovelha, o Homem atento à beleza destes tapetes naturais de musgo, que revestem pedras, solos, pavimentos, telhados e árvores, colhe-os e utiliza-os na construção de presépios e de tapetes ornamentais em festividades importantes, profanas e religiosas.
A 22 de junho de 1941 realizou-se a inauguração do troço de estrada dos Prazeres (Ribeira da Maloeira) à Ponta do Pargo (Pedregal) da então chamada Estrada de Viação Acelerada, depois Estrada Regional 101 e atualmente Estrada Regional 222. Esta estrada foi uma obra muito importante na época, trouxe a circulação automóvel até à Fajã da Ovelha que até então se fazia a cavalo, a pé e com carros de vacas nas deslocações para as localidades vizinhas, ou de barco, através do porto do Paul do Mar, para as localidades mais longíquas como o Funchal.
Neste dia da inauguração da estrada, sobre a ponte da ribeira da Maloeira, na partilha das freguesias da Fajã da Ovelha e dos Prazeres, “uma fita com as cores nacionais, com as extremidades presas a um arco de triunfo, muito formoso, veda a passagem. O povo comprime-se, vestindo os seus pitorescos trajes regionais”. A dar um maior brilho ao ato inaugural “o chão tem um tapete policromo, em que os musgos dão um piso macio. Legendas: «Viva Carmona!», «Viva Salazar», «Viva o sr. Governador Civil», «Viva a Junta Geral” e «Sêde Bemvindos»”. Na chegada à freguesia da Ponta do Pargo, no sítio do Salão, os alunos das escolas “espalham flores sobre os convidados e o cortejo passa sobre uma alcatifa de musgos” (Diário de Notícias da Madeira, 24.06.1941, pp. 1 e 3).
No entanto, a principal aplicação dos tapetes de musgo não era o uso profano mas o uso sagrado, pois estes eram e são aplicados nas festividades religiosas da freguesia, nomeadamente na festa em louvor ao Santíssimo Sacramento, que se realiza no domingo mais próximo ao dia do Santo Padroeiro, de São João Batista na paróquia da Fajã da Ovelha e de Santo António na paróquia da Raposeira, respetivamente nos dias 24 e 13 de junho. Desconhecemos a data da realização dos primeiros tapetes de musgo na freguesia da Fajã da Ovelha.
Nos tapetes de musgo tradicionais é colocada uma cama de musgo. O tapete é dividido em retângulos contornados por flores de razoável tamanho como hortênsias, coroas de henrique e dálias. No interior de cada espaço retangular são colocadas flores imitando um arranjo floral ou dispostas de modo a formar linhas, por vezes preenchidas nos espaços com outras flores. São organizações formais que não recorrem ao recurso de moldes. A intercalar estes espaços retangulares visualizam-se outros motivos em destaque, que extravazam a largura comum do tapete, alusivos à Igreja e ao Santíssimo Sacramento, como a bandeira do Espírito Santo, o Cálice, a Hóstia, Estrelas, Corações, Cordeiros, Monogramas, etc. Nos tapetes atuais mantêm-se estes aspetos tradicionais com num misto de inovação onde vão surgindo as novas tendências provocadas pela globalização como o emprego das aparas de madeira pintadas com corante, muito utilizadas nos Açores, a utilização de moldes onde se colocam os verdes (plantas que substituem o musgo) e as flores com o seu colorido a constrastar proporcionam uma padrão geometrizado.
Na freguesia da Fajã da Ovelha, no passado dia 10 de junho, realizou-se o extenso tapete construído pela população dos quatro sítios da paróquia da Raposeira, com cerca de 650 metros, dos quais 575 são em linha reta, que se perde de vista no ponto de fuga da reta da Raposeira, tornando-se assim um dos maiores tapetes que se realizam na Madeira. O tapete prolonga-se desde o pórtico da igreja até um pouco depois da extensa reta da Raposeira. No passado dia 24 de junho foi a vez do tapete da paróquia de São João Batista, executado pela população da mesma, nos caminhos envoltos da igreja. O domingo da festa e à vespera são dias de apanha das flores. Umas semanas antes, num domingo, é o dia da ida até à serra, como que em romaria, para individualmente ou em grupo se apanhar o musgo para a base, ou melhor a cama, do tapete. Assim os preparativos da festa duram vários dias.
O tapete serve para a passagem do pároco que leva a custódia com o Santíssimo Sacramento sob um pálio. Na procissão seguem bandeiras/pendões, anjos, irmãos da confraria do Santíssimo Sacramento, festeiros, promessas, banda de música e o povo.
Como pudemos constatar os tapetes de musgo, como lhe chamavam “tapete policromo, em que os musgos dão um piso macio” ou “alcatifa de musgos” aplicam-se em épocas festivas, consideradas importantes para a população local. Assim, neste artigo escrito entre as duas datas em que se realizam os dois tapetes de musgo nas paróquias da freguesia, ou seja, entre os fins de semana próximos aos dias 13 e 24 de junho, pretendemos alertar para a preservação da tradição da construção destes tapetes. Pensamos que esta atividade deve ser mantida e incentivada pelas diversas entidades regionais e locais, pois a população local que herdou esta floresta e esta tradição deve estar integrada, viver e usufruir do seu meio, no entanto alguns aspetos burocráticos de autorizações à apanha do musgo poderão pôr em causa esta tradição. Nos 15 000 hectares da Floresta Laurissilva da Madeira, a apanha de alguns sacos de musgos não prejudicam a biodiversidade, pois estes renovam-se quando apanhados de modo sustentável.