Ricardo Catanho
Ricardo Catanho
Desde os primórdios do povoamento da ilha da Madeira, na primeira metade do sec. XV, que há registo da introdução da cultura da vinha na nossa Região.
Foi o Infante D. Henrique que ordenou a sua cultura e é aqui que começa a história e a verdadeira epopeia do Vinho Madeira, existindo registos históricos que demonstram que apenas 25 anos após o início do povoamento as exportações deste produto eram já uma realidade.
Ao longo dos séculos este líquido foi sendo melhorado na sua qualidade, com a introdução de novas castas, novos produtos de conservação e, ao mesmo tempo, foi aumentando também a sua área de produção que ainda hoje continua. Este vinho, que se tornou mundialmente famoso, sobretudo pela mão dos ingleses, já teve e continua a ter pontos altos de referência mundial. Tanto é, que a reputação da nossa ilha está muitas vezes ligada a esta cultura, estando também diretamente relacionada a efemérides históricas a nível mundial, como foi o caso de, a 4 de julho de 1776, a independência dos Estados Unidos da América ter sido celebrada com um brinde do nosso vinho Madeira.
Todo este passado glorioso faz com que, ainda hoje, seja o produto regional com maior expressão a nível das nossas exportações, sendo que dos 3 milhões de litros produzidos em média, anualmente, cerca de 80% desse vinho seja para exportação.
Todos os factos atrás mencionados levam-me ao ponto de partida: sobre o qual eu quero escrever este mês…
Não sendo a primeira vez que falo sobre a produção vitivinícola neste espaço de opinião, penso que este produto merece especial atenção, ou não fosse esta a cultura com mais importância cultural e económica da nossa freguesia e concelho de São Vicente. Todos os anos, entre o final de Agosto até meados de Outubro, mantém-se a tradição da vindima, com toda a azáfama e reboliço que com ela se vive, nos diferentes sítios da freguesia.
E hoje escrevo sobre as vindimas porque, recentemente, ao regressar a casa, reparei num grupo de pessoas que, à sombra da vinha, estavam sentados no chão, preparando-se para almoçar. Aquela imagem proporcionou-me um “flashback” quase instantâneo e transportou-me à minha infância, quando a minha família ia ajudar a vizinhança na vindima das suas latadas. Eu gostava imenso daqueles momentos, achava todo o processo engraçado e divertido: desde a apanha da uva, ao seu transporte até ao lagar e finalmente o poder entrar, com os pés descalços, no lagar e pisar as uvas. Era uma verdadeira alegria para as crianças.
Ficaram-me na memória, especialmente, os momentos em que aquela gente, de mãos hábeis, trabalhadora e com muito espírito de sacrifício, se reunia debaixo da vinha e faziam os piqueniques: sentados à volta de uma sesta cheia de semilhas murchas de sal, a acompanhar gaiado seco e alguns legumes da época.
Por segundos, consigo reviver o cheiro dessas refeições, os sons e as vozes, naquele curto espaço de tempo que dedicavam ao repouso e ao convívio, para logo de seguida retomarem o seu trabalho.
A orografia da nossa ilha, embora a torne excecionalmente bela, não é nada condescendente com os nossos agricultores, aqueles que arduamente trabalham a terra e que tiveram que adaptar as nossas áreas de cultivo em íngremes socalcos, mais conhecidos por poios, que parecem degraus que vão subindo a encosta, como que a conquistando.
Todo o processo da vitivinicultura não mudou muito, sobretudo nesta etapa da vindima. A recolha das uvas continua praticamente a mesma há décadas, apenas os processos do pisar das uvas, evoluiu, sendo agora feito, em regra, por potentes maquinas que facilitam e muito o esforço humano. Não obstante, não é assim tão raro vermos os lagares tradicionais, ainda em pleno funcionamento, onde se produz o vinho através da pisa com os pés. Isto acontece sobretudo, no caso da produção do chamado vinho seco, também famoso ao nível regional.
O período das vindimas em São Vicente continua a ser socialmente muito importante, uma época de celebração familiar, em que as famílias, juntamente com vizinhos, num verdadeiro espirito de comunidade e interajuda, vão vindimando as vinhas uns dos outros. Há mesmo emigrantes que regressam do “estrangeiro” com o propósito de ajudarem os seus pais nesta árdua tarefa anual, sendo quase um ritual que está impregnado no nosso modo de vida aqui na “Capital do Norte”.
Desejo a todos e a todas vitivinicultores que tenham este ano uma excelente vindima e faço votos de que o que sucedeu na última vindima (de 2017), não se volte a repetir este ano: o Governo e o Secretário Regional da Agricultura, com a anuência do presidente da Câmara brincaram (a palavra é mesmo esta, brincaram) com estas pessoas que se dedicam todo ano para contribuírem para o crescimento económico do nosso concelho, seja por via da produção de vinha, seja através do turismo, devido às paisagens únicas que os poios plantados de vinha proporcionam a quem nos visita.
Um bem-haja a todos vós.