Rogério Gouveia Fernandes
Rogério Gouveia Fernandes
Comecemos pelos números: a Madeira apresenta actualmente mais de 5000 unidades de alojamento listadas no Airbnb (e outras plataformas existirão, com menor expressão mas com valores igualmente interessantes).
O preço médio diário é de 63 euros, tendo atingido valores máximos em Julho de 2018, por exemplo, e mínimos em fevereiro do mesmo ano. Já a taxa de ocupação centrou-se nos 74% em Agosto, diminuindo para os 39% em Dezembro. Note-se que o mercado é claramente dominado pelo aluguer de habitações integrais (mais de 90%), com os quartos privados e partilhados a representarem apenas 8 e 0,4% da oferta regional, respectivamente. Relativamente à receita, e em média, quase atingiu os 900 euros mensais. Isto de uma forma geral, numa análise muito rápida, superficial e pouco criteriosa.
Mas eis que no primeiro trimestre de 2019 a mesma plataforma eletrónica apresentaria um ligeiro decréscimo na região (de 2% no número total de reservas), começando a diminuir pela primeira vez em finais de 2018 e mantendo esta tendência negativa até à data. A carga fiscal e a perseguição ao sector terá provavelmente pesado nestas estatísticas, mas aqui já entrarei invariavelmente no domínio da especulação. Há quem fale igualmente num “amadurecimento do sector”, que se espera que se ajuste e tal…
E estratégias concertadas, claras e específicas em torno desta questão, existirão?
Note-se que a economia partilhada (ou shared economy), onde o Airbnb apresenta-se como um exemplo paradigmático, é um fenómeno relativamente recente, e veio revolucionar a forma de negociar e re-distribuir os lucros. Mudou também o paradigma, num universo até então pouco democrático e dominado por pequenos grupos ou sectores.
A hotelaria (mais convencional) neste momento é no meu ver uma espécie de “táxi”, que se não acompanhar a evolução, as intenções e os gostos da clientela, pode acabar por se tornar irrelevante e obsoleta. E os millennials continuarão com certeza a ditar as regras (até surgir outra geração ainda mais informada, pragmática, com gostos distintos e por vezes algo peculiares e difíceis de atender).
A Uber, no mesmo espectro (embora ainda ausente destas paragens) mostra-se cada vez mais empenhadas em mudar também as formas de consumo (e não apenas de transporte), atendendo ao mesmo tempo a necessidade cada vez mais específicas.
O turismo de terceira idade (característica quase unânime do destino Madeira) pode continuar, eventualmente, a alimentar uma indústria parada no tempo (que se calhar não será assim tão sustentável ou imune a estas conjunturas). Falo com um total ou (no mínimo) parcial desconhecimento da indústria hoteleira e das suas idiossincrasias, mas com algum conhecimento das tendências e dos números. E creio que urge mudar alguns comportamentos e questionar certos dogmas.
Berlim e Barcelona (só para citar alguns exemplos) foram alvos de grandes restrições no que ao “Alojamento Local” diz respeito, chegando mesmo a ser proibido na capital alemã, em 2016, o aluguer integral de apartamentos. O “debate prossegue” na capital portuguesa, e levantam-se outras temáticas igualmente complicadas e desafiantes, como o fantasma da gentrificação, a massificação do turismo no centro da cidade, e o insuportável aumento dos preços de primeira-habitação.
Seria portanto fundamental acompanhar este debate de perto e tirar algumas notas. Seria igualmente importante que não se tratasse o centro de Lisboa da mesma forma que Penamacor ou Trancoso, e que se aplicasse neste caso uma discriminação positiva e vantajosa para zonas menos desenvolvidas ou periféricas (coisa que pelo menos em Diário da República não apresenta qualquer tipo de diferenciação).
Na Madeira, a maior oferta de AL está centralizada a sul da ilha (mais de 80%), mas também não se contemplam quaisquer excepções ou políticas inclusivas e menos castradoras para a encosta norte, por exemplo. Haverá realmente alguma política em curso no sentido de promover este “destino” dentro do destino Madeira, no que ao AL diz respeito? E existirá algum estudo do impacto deste sector no desenvolvimento destas áreas?
Devo dizer que conheço pessoas que retiram um rendimento interessante deste sector (alugando quartos modestos dentro de primeiras habitações), e que mereceriam um tratamento menos discriminatório. É que nem todos são “maus rapazes” neste intitulado “negócio da china”, por vezes com contornos pouco lícitos e dramáticos. Note-se que o rendimento disponível das famílias também aumentou com este fenómeno (e não apenas o dos senhorios, com vários imóveis em carteira e com um poderio económico acima da média). E alguns haverá que poderão mesmo acabar num turbilhão de impostos, entraves e burocracias. Mas enfim…
A alguns dias de se votar para o parlamento europeu, talvez fosse importante que se levantassem algumas vozes mais esclarecidas relativamente a esta temática (mais do que a minha, pelo menos).
Nem tudo é bom. Nem tudo é mau. É certo. Mas ignorar a questão, fintar a mudança, ser condescendente e assobiar para o ar, não será seguramente a melhor abordagem.