Paula Noite
Paula Noite
Palmilhando um tapete de folhas, de outono vestido, caminho devagar.
Impregnando-me do cheiro do musgo fresco e das Lauráceas, sentindo-me envolvida pelo nevoeiro que chega devagar, devagarinho… embrenho-me na floresta.
Respiro bem fundo e deixo-me atingir pelos salpicos abundantes da água que escorre lá do alto.
A sensação de frescura invade-me, acompanhada por uma onda de magia.
Ribeiro Bonito. Onde o verde me abraça e o murmúrio das águas me embala. Onde o sonho começa…
Num espaço único, onde o verde é o imperador, desencanto um tear de histórias.
Por detrás dos imponentes loureiros, com os troncos bordados de madre louro, vejo o Gato das Botas, a Cigarra, a Formiga e o João Ratão. A fada, a Bruxa Má e o Monstro, no Ribeiro Bonito, em reunião.
Faz-se tarde, já. E cai de mansinho um entardecer que saltita por entre as árvores, apagando a luz ténue dum resto de dia.
Vislumbro bem lá no alto uma lua tímida, querendo aparecer bem cedo. E relembro uma curiosidade de infância – curiosidade de saber a que sabe a lua. Nunca ninguém mo disse. Punha-me à janela, olhos bem abertos, fixando-a lá no alto, bem cintilante, mas não conseguindo lá chegar pois era muito distante.
_ Mas então a que sabe a lua?
_ Diga-mo quem souber!
Ninguém mo disse. Então a lua tem o sabor daquilo que eu quiser.
Sonho com a lua. Acho que sabe a queijo. A lua tem o sabor do amor, quando roubo um beijo.
Vou fazer uma escada. Trepar por estas árvores acima, sempre, até lá chegar. Vou fazer a escada e trepar mesmo a medo. Vou tirar-lhe um bocadinho. E descobrir o seu segredo…
Uma aragem mais fria desperta-me daquela viagem no tempo em que regressei à minha infância. Mas ali, bem acordada, sonho aquele local cheio de crianças a viver esta magia. Sonho as crianças que não existem.
Nas memórias mais longínquas registo as gargalhadas e o movimento num pátio de escola. O som dos passos da criançada em corrida pela encosta acima.
Um grupo da minha idade que por circunstâncias várias saiu desta ilha. Uma saída por falta de oportunidades. Uma geração de filhos da terra que levaram o nome de São Jorge aos cinco continentes.
Hoje, uma outra geração continua a saga. Falta de oportunidades e incentivos levam-nos a partir também.
Uma saudade teimosa, memórias que o tempo e a distância não apagam fazem o coração bater mais depressa. E aumenta aquela vontade de voltar, conhecer ou reviver as suas origens.
Nós por aqui e os outros do lado de lá, castigados pela saudade, continuamos a sonhar a história de uma freguesia, contada por uns e analisada por outros, cuja página de um futuro próximo, queremos, descreva São Jorge como uma terra de oportunidades e incentivos…para onde poderão voltar…