A 18 de Abril a Região Autónoma da Madeira contava com 54 casos de COVID-19
São detetados 10 novos caso em 24 horas na freguesia o que parecia indicar uma potencial situação epidemiológica de transmissão local com elevado risco de surgimento de cadeias de transmissão comunitária, quer a nível local quer a nível regional. A origem da cadeia de transmissão é associada ao bairro social Nova Cidade, onde surgiram 31 casos positivos, que incluía sete casos importados e 24 casos de transmissão local.
Perante estes dados o Governo Regional decide adotar medidas excecionais de forma a acautelar a saúde pública da população de Câmara de Lobos e da R.A.M. Estas medidas excecionais consubstanciaram-se na criação da cerca sanitária à freguesia de Câmara de Lobos que entrou em vigor às 00.00 do dia 19 de abril.
Há um ano Câmara de Lobos acordou cercada.
Olhando à distância, e perante a situação posterior com que o país e a região se deparou, 10 casos em 24 horas, parecem ser francamente poucos para justificar a imposição de uma cerca sanitária. Mas somos todos bons a fazer prognósticos depois do fim do jogo.
O conhecimento do vírus era mínimo e a situação potencialmente volátil, dada ser desconhecida a extensão da cadeia de transmissão detetada. Felizmente tudo correu pelo melhor e passados 15 dias não houve necessidade de prolongar a duração da cerca.
Mas a distância permite olhar para as situações de forma mais consciente.
A nível nacional foram três os territórios onde foram impostas cercas sanitárias: Câmara de Lobos, Ovar e Rabo de Peixe. O que que estes três territórios tem em comum?
Zonas piscatórias, com uma população com rendimentos abaixo da média nacional, onde, a título de exemplo, a prevalência de beneficiários do RSI é a maior das regiões onde se inserem.
Territórios marcados pela pobreza e tradicionalmente estigmatizados são objeto de relegação política e de menor interesse mediático e solidariedade pública. Olhando as cercas como materialização dessa relegação e da referida falta de solidariedade pública, não estará a imposição das mesmas associadas à estigmatização pré-existente? Não é surpreendente que tenham sido nestes locais, e não em outros, onde existiram situações idênticas ou piores, que foram implementadas cercas sanitárias?
Obviamente que, apesar de partilharem algumas características sociais e históricos comuns, os casos poderão ser diferentes. Mas são demasiados os pontos de contacto para podermos descartar totalmente a hipótese avançada.
Não houve cerca a Cascais apesar de a hipótese ter sido levantada pelo próprio presidente do município, na área Metropolitana de Lisboa, por onde o vírus grassou de forma descontrolada, as medidas mais gravosas não foram aplicadas de uniformemente, afetando de forma desproporcional os habitantes de zonas mais pobres e socialmente menos prestigiadas e na Região nunca foi levantada a hipótese de novas cercas sanitárias em outros concelhos apesar de terem registado níveis de risco superiores ao existente na altura da cerca a Câmara de Lobos.
A verdade é que historicamente as pandemias encontram terreno fértil onde existe mais pobreza e menos condições de habitação, mas a verdade é que as medidas parecem ser tomadas com mais facilidade para territórios com estas características do que para outros com maior afluência económica e social.
Foram aos Xavelhas, aos Vareiros e aos Rabo-Peixenses que foram aplicadas as medidas mais gravosas durante esta pandemia, com prejuízos acrescidos em termos económicos, sociais e de estigmatização do território. É portanto legitimo que exijam descriminação positiva no momento da atribuição dos apoios que dizem estar a chegar de bazuca.
Magno Bettencourt