Maria Cecília Garcia
Maria Cecília Garcia
Falar do Jardim do Mar é sempre suspeito, sobretudo se quem fala nasceu nessa terra. Saramago disse que “é preciso sair da ilha para ver a ilha”, e para ver o Jardim do Mar também é preciso sair dele.
Ao longe, não é apenas um punhado de terra junto ao mar, cercado por uma alta parede de rocha.
O Jardim do Mar que fica em quem sai, é o outro, o jardim das gentes sentadas nos bancos junto ao largo, o das veredas, agora embelezadas com calçada portuguesa, e que antes eram calcetadas com as com pequenas rochas do calhau, as serenatas no largo ou no portinho, quando era apenas um calhau de rocha onde o mar brilhava nas noites de Lua cheia.
O Jardim do Mar é um lugar encantado, pequenino, acolhedor, feito para andar a pé e percorrer as suas veredas, sempre arranjadas e floridas, aspirar os perfumes dos frutos tropicais. É um lugar para falar com as pessoas e ouvir as suas histórias.
Mas também foi:
“…uma terra de gente trabalhadora e de carácter, orgulhosa dos seus pais que tinham roubado ao mar cada centímetro de terra erigindo paredes de pedra para a segurar, transformando aquele lugar num imenso balcão, um jardim sobre o mar…”
“… o lugar onde nos telhados só poisavam chaminés e pássaros, e as crianças jogavam à bola acertando na baliza desenhada no muro do largo. Onde à noitinha jogavam ao trinta e um, novos e velhos.”
“Onde o vento fazia sussurrar as canas e à beira das levadas cresciam agriões e tomates selvagens. E as águas que brotavam da rocha desciam livremente até às levadas que percorriam toda a aldeia, inundando tudo com a sua canção de água, como não se ouvia em mais lugar nenhum!” (1)
Inevitavelmente, me tornei nostálgica…
O Jardim do Mar é, ainda, um pequeno paraíso, mais moderno, que tem sabido guardar muitas das suas tradições, é o lugar onde todos querem regressar nas férias e, talvez um dia, descansar na velhice. As pessoas continuam afáveis como sempre foram, e continuam a ser uma família, a família Jardineiros.
Existem muitas formas de entretimento neste mundo moderno, mas onde os mais jovens fazem questão de rebuscar a tradição de modo a que se possa conviver entre dois mundos sem perder a identidade.
Desta terra pequenina muito se pode falar, das suas ondas famosas, da abundante oferta de habitação turística, os seus bares, a promenade, da invasão dos turistas…, mas não podemos esquecer que ele é isso, uma terra pequenina, e que deve que manter a sua personalidade e os seus traços singulares e o melhor que ela possui, as suas gentes e a sua história. Porque o Jardim tem história, podíamos contar como a igreja foi construída pelo povo, de como Luzia (Luísa Grande) escreveu poesia no Jardim do Mar, de como os seus antigos construíram os socalcos, pedra a pedra, transformando aquele pedaço num jardim à beira mar, e de tantas outras personagens que fizeram parte da sua história.
É um cantinho pequenino, grande no coração dos que o amam, onde o Sol é generoso, onde à noite ainda se pode ouvir o canto das cagarras, ou subir à Eira e maravilhar-se com a paisagem onde o mar é protagonista.
Um dia, alguém a quem eu estava a mostrar o Jardim, observando desde a vereda das Pedras a maravilhosa Enseada, onde o mar calmo se desfazia numa suave espuma, disse: “parece que estamos noutro mundo”. E tinha razão, o jardim do Mar é outro mundo!
A Madeira é linda, toda a ilha é linda, mas, o Jardim…
(1) Excertos do livro: História em Pedacinhos, de Maria Cecília. Chiado Editora. 2016.