Lino Conceição
Lino Conceição
Por volta de meados do século passado, o vale do Chão da Ribeira (sobranceiro à freguesia do Seixal), era diferente daquilo que é hoje.
Embora a exuberante floresta Laurissilva que cobre as encostas que o envolve, seja idêntica, a paisagem no solo e a actividade nele desenvolvida, são muito diferentes, começando pelo acesso. Por essa altura não havia estrada. Esta, só lá chegou, após o 25 de Abril de 1974, embora a sua construção começasse por volta de 1960. Ir ao Chão da Ribeira, só a pé, subindo os velhos e íngremes caminhos, mantidos transitáveis, ainda hoje, pela Junta de Freguesia.
Depois, a actividade mantida pela população era bem diferente da actual.
Os terrenos não estavam abandonados, como actualmente. Todos eram cultivados especialmente com semilhas, batata-doce, feijão milho, couve, abóboras especialmente da espécie “Xila” e que cá é conhecida por “tanarifa”.
Os palheiros, que recuperados e melhorados, (com a inclusão de casa de banho, por exemplo) hoje servem de alojamento de férias e de fim-de-semana, então, eram usados na criação de gado, especialmente o bovino.
Nesse tempo, a maioria dos palheiros, tinham as paredes de pedra aparelhada e eram cobertos de palha de trigo ou de uma espécie de capim que abundava nas serras da freguesia e que era conhecida por “ palha carga”.
Quase todas as famílias, possuíam uma ou duas vacas de leite que cada palheiro acolhia, no rés-do-chão. O sobrado, servia para a recolha das alfaias e produtos agrícolas ou da feiteira seca, que servia de cama para o gado.
Esta feiteira, misturada com os excrementos e urina do gado, servia de adubo para fertilizar os terrenos, pois, na altura, os adubos químicos eram pouco utilizados, uma vez que eram extremamente caros e o dinheiro, pelo contrário era escasso. Esta era, na verdade, a verdadeira agricultura biológica.
Havia, talvez, mais de duas centenas de vacas, provavelmente metade produzindo leite (hoje contam-se pelos dedos de uma mão o número de vacas do Chão da Ribeira).
De madrugada, os rapazes e também algumas raparigas, na sua maioria, subiam ao vale, para mungir as vacas e levarem o leite nos “caçarolos” para a desnatadeira, localizada no centro da freguesia. Especialmente no Inverno, era um trabalho duro, muito duro para os mais jovens, alguns, ainda crianças. Antes do amanhecer muitas vezes em jejum, e a maioria descalços, com temperaturas extremamente baixas abalavam, eles, expostos ao vento e à chuva. Uma saca de serapilheira servia de gabardina (saca de capucho). Se por azar, alguém entornasse o leite ou amolgasse o “caçarolo” era sova certa. Normalmente a sova ficava a cargo das mães.
Depois de desnatado, o soro (leite desnatado) era levado para casa e, pasme-se, destinava-se exclusivamente para sustento dos porcos. Em época de grande pobreza e de carência alimentar as pessoas não bebiam leite, este alimentava os porcos.
Em seguida, após o almoço (nesse tempo almoçava-se de manhã, normalmente sopa aquecida que sobrara da ceia do dia anterior, ou semilhas murchas, com carne de porco, ou peixe, se houvesse) iam para a escola. Na parte da tarde, nova ida, até ao Chão da Ribeira, para a apanha de erva destinada à alimentação do gado.
Com esta vida, era normal muitas crianças reprovarem na escola. A justificação dos pais era que os filhos eram de “má cabeça”. Mas, pensando bem, de “má cabeça”, eram os progenitores.