Década de 90. Não éramos mais do que sonhadores: um grupo de jovens que todas as semanas projetava formas de se destacar numa sociedade diferente da de hoje. Confiantes no contributo que íamos deixar, certos de que passaríamos um importante legado aos sucessores, reuníamo-nos religiosamente ao fim de semana com a bênção do pároco e o consentimento dos nossos pais.
Integrado no movimento juvenil JMV – Juventude Mariana Vicentina, os encontros semanais serviam para mais do que “acompanhar os jovens cristãos no crescimento da sua fé, até à maturidade cristã”. Eram uma forma de trocar impressões e tentar fazer algo diferente na pacata freguesia do Jardim da Serra.
A troca de ideias até corria, por norma, bem, mas a tentativa de diferenciação nem sempre era tão bem-sucedida como desejado. E não podia ser. Afinal, não passávamos de uns miúdos que gostavam sobretudo de festa. Ainda assim, não nos saíamos mal.
Dos muitos projetos concretizados, merece destaque a “fama” que o nosso grupo atingiu em termos de animação eucarística. Foi tal que extravasou fronteiras: até fomos convidados a cantar missas fora do nosso município. De lenço vermelho ao pescoço, afinados, entoávamos, em coro, vários cânticos, ao som da viola do António, um dos membros que nos ensaiava, paciente, nas vésperas das cerimónias. Às vezes, vinham reforços de outros grupos para nos ensinar músicas novas.
Mas fazíamos muito mais do que cantar…
Lembro-me de, numa Festa das Cerejas, me estrear atrás de um balcão, numa barraquinha de arraial, onde os voluntários e a vontade de trabalhar era tanta que, não raras vezes, havia mais pessoas na parte de dentro da bancada do que na de fora.
No Verão, promovíamos iniciativas divertidas, como caminhadas e piqueniques na serra, que comprovavam a vontade de querer estar cada vez mais tempo juntos. Até passamos a comemorar os aniversários dos membros do grupo semanalmente.
“Éramos felizes”, como dizia um dos elementos, que recordo sempre com carinho.
A nossa imaginação era muito fértil…
Certa vez, deu-me para escrever uma peça de teatro. Sinceramente, não me lembro bem do conteúdo do texto, mas nunca vou esquecer que após horas e horas de ensaios a peça acabou por não se concretizar. Fiquei muito aborrecida e queria mesmo desistir do grupo, mas não consegui fazê-lo porque, percebi mais tarde, já se tinha criado um elo demasiado forte.
Mas estas memórias avivaram-se porque me lembrei de uma entrevista que dei à rádio na altura. Esta recordação ficará para sempre. À jornalista – na ocasião uma anónima que mais tarde se tornara uma grande amiga – expliquei em que consistia a iniciativa que estávamos a organizar: uma passagem de modelos. O evento contou com diversos apoios e revelou-se um verdadeiro sucesso, graças à dedicação da organização e ao excelente trabalho em equipa.
Aquela amiga, a Sílvia de Ornelas, hoje minha madrinha e comadre, iniciou a sua carreira na rádio TSF-Madeira (100 FM), emissora onde fui colaboradora, experiência que ostento no meu curriculum com orgulho. Conheci-a quando também trabalhava no Diário de Notícias da Madeira e, só muitos anos depois, em conversa e por mero acaso, concluímos que ela me teria entrevistado aquando do evento realizado no Jardim da Serra.
Aos meus colegas e amigos que deixam agora a TSF, deixo uma palavra de conforto e esperança, na expetativa de que o jornalismo não continue a desfalecer, pois hoje, mais do que nunca, precisamos de vozes ativas. E não é só na rádio.