Desde a sala de aulas, no primeiro ciclo, que ouvia falar do “Cerro El Avila”, das suas belíssimas paisagens e do emocionante que era subir de teleférico até ao cume do hoje denominado Parque Nacional Waraira Repano, com vistas únicas sobre a cidade de Caracas.
Não percebia muito bem o porquê de o teleférico ter estado encerrado durante tanto tempo (mais de uma década), mas isso não era relevante. O que importava era que, retomada a atividade, íamos finalmente andar. Nem equacionamos a possibilidade de não correr bem. Aliás, nem os relatos pavorosos dos meus primos sobre acidentes e paragens de cabines a meio percurso nos conseguiram demover.
De “ranchera”, felizes, estrada fora, sem as regras de segurança rodoviária que hoje achamos imprescindíveis, seguíamos para o nosso destino.
(Um à parte sobre a “ranchera”: sou de uma família hoje designada de numerosa. Tenho quatro irmãs. Como tal, um casal com cinco filhas só poderia dar passeios em família se tivesse uma carrinha de sete lugares. Era isso ou deixava duas filhas em casa! Os meus pais, que trabalhavam todos os dias, folgavam ao domingo à tarde e, religiosamente, todas as semanas, arranjavam forças para “dar uma voltinha com as pequenas”).
Aquela primeira subida ficou-me gravada na memória para sempre, sobretudo pelo espetáculo extraordinário que nos proporcionou.
Quando os meus pais decidiram regressar a Portugal, entre as muitas promessas que fiz, houve uma que me marcou: voltar àquele país. Entoava, com uma das minhas irmãs, uma música da nossa autoria, onde depositávamos esperança em visitar novamente a Venezuela, “este lindo país”, as suas paisagens, as suas praias e tudo o que de tão bonito tem para mostrar um país que, já na década de 90, após uma tentativa de golpe de Estado, oferecia muitas incertezas.
Apesar dos planos, o regresso demorou. Só treze anos depois é que voltei a Caracas.
Foi então que visitei novamente, de teleférico, o “Cerro El Avila” e consegui reviver a infância, embora faltassem os meus pais e as minhas irmãs. Ainda assim, foi uma sensação excecional.
Vem isto a propósito do anunciado projeto para a construção de um teleférico que vai ligar o Curral das Freiras ao Montado do Paredão e este à Boca da Corrida. E da forma como fico sempre entusiasmada com teleféricos, embora tenha algumas vertigens.
Ao longo da minha vida, muitas vezes, quando visitava a Boca da Corrida, no topo da freguesia do Jardim da Serra, junto ao miradouro com vista para o Curral das Freiras, bem lá em baixo, mais do que uma vez, ouvi alguém dizer, em tom jocoso, que com um teleférico “era um instantinho”.
Ora bem! Se o estudo de impacto ambiental tiver parecer favorável e tudo correr como esperado, este investimento privado de 35 milhões de euros poderá mesmo concretizar-se e será um sonho pretensioso e quase impossível tornado realidade. Se assim for, teremos não só mais uma forma de acesso ao Jardim da Serra, mas sobretudo uma inovadora atração turística que vai valorizar o concelho e as duas freguesias.
Na minha opinião – deixando obviamente de lado as questões ambientais, as potenciais tragédias e sem querer entrar em questões demagógicas – investimentos como estes podem ser bem-vindos, sobretudo porque nos permitem vislumbrar um cenário diferente, com esta pandemia derrotada, onde cabines transportam meia centena de turistas em simultâneo de uma freguesia para a outra, com o retorno destes a lembrar os bons velhos tempos, com enchentes que sempre soubemos reconhecer como verdadeiramente importantes e essenciais para a nossa economia.
Já agora, por falar em novos acessos, ainda antes do teleférico, provavelmente para meados do próximo ano, estará concluída a ligação entre o Jardim da Serra e o Estreito de Câmara de Lobos, por Via Expresso, uma obra que vai servir a população e os visitantes, uma aspiração mais realista que se torna realidade e ganha forma a cada dia que passa. Bem-haja!