Paula Noite
Paula Noite
O verde escorre montanha abaixo, em tonalidades mil.
E a freguesia, calma, ali entalada, entre a serra e o mar…
São Jorge, paraíso verde cheio de flores, onde cantam os pássaros, em densa floresta. Floresta encantada entre tis, loureiros e barbusanos. onde bisbis e o pombo trocaz esvoaçam alegremente pela Levada do Rei, espreitando os caminhantes que por entre o trilho verde, procuram mergulhar na beleza do Ribeiro Bonito, um lugar único onde se poderia desenrolar um leque de histórias…
E cantam as tuas águas nas ribeiras e levadas, sobre o lodo verde escuro que faz lembrar as tuas serras verdejantes.
A igreja matriz ergue-se no alto, ostentando orgulhosa a sua idade secular, banhada de ouro, como um tesouro de valor incalculável.
E o Calhau, baú de recordações, guarda as suas ruínas falantes como páginas que contam histórias com cores de mar, pedra e serra.
Ali, mesmo em frente, estende-se a linha do horizonte, como um limite. Um limite que queremos ultrapassar.
E o dilema que a todos persegue– tenho de ir, mas quero ficar.
Percorro estas ruas num final de tarde. Fala-me ao ouvido o vento que sopra na tarde: um, dois … chegámos já às duas dezenas, três, quatro dezenas e meia, contam aqueles que já partiram. Chega!
Cai a noite devagar; o mar em fogo engole os últimos raios de sol. Fica o silêncio…
O silêncio que nos invade, fustigando a alma.
Ninguém nas ruas. O vento frio, faz recolher a maioria das gentes que ficaram. Luzes aqui e ali, atravessam as janelas denunciando a presença dos que se recolheram.
Um vulto à minha frente caminha com dificuldade. Vergado sob o peso dos anos.
-Boa noite!
A luz, ainda fraca, ilumina as rugas que lhe sulcam o rosto, tal levadas de sabedoria. E vê-se, transpira cansaço.
Aqueles que ficaram…
Olho o mar de azul carregado, quase a beijar o céu. Aperta-me a saudade.
Olho à volta e os meus olhos choram as ruas vazias daqueles que partiram e que estão agora, tão cheias de ausência…
XXL. O tamanho do abraço que te quero dar. Apertar-te, sentir-te junto ao peito, para além do mar…
Caminho mais e mais depressa. Sufoca-me este vazio que deixaram os que já partiram. E são tantos!!! Em busca de ……
E o oceano ali estendido. Imenso! Aquilo que nos une e nos separa e aumenta esta saudade. Estrada de dois sentidos, saudade que vai e vem, que se entranha na gente.
E a revolta que vai chegando.
Pelas terras cheias. Cheias de casas, de infraestruturas. Estruturas megalómanas vazias de investimento e de oportunidades.
Vazias dos jovens que emigraram. Um potencial perdido para nós!
Eles saem para outro lugar, para construírem uma nova história, com coragem, muitas lágrimas (deles e nossas!) e um abraço. Um abraço que poderá não voltar a repetir-se…
E por cá, de resto, tudo continua igual.
Uma terra envelhecida.
Em São Jorge, por cá, para quando, para eles, uma oportunidade?
XXL. O tamanho do abraço que te quero dar. Apertar-te, sentir-te.
Para além do mar…
O coração bate muito mais forte.
– Olá mãe, tudo bem?
– Sim filho. E tu como estás?
– Tudo bem, a preparar-me para descansar. Saí há pouco do trabalho. Foi um dia duro! O pai e o mano como estão?
– Estão bem, não te preocupes. Beijinho. (Passo a mão em seu rosto) – Dorme bem meu amor.
Agarro o telemóvel com força. E acaba a videochamada. Falha na internet…
“Ei-los que partem. Novos e velhos. Buscando a sorte noutras paragens, noutras aragens entre outros povos, ei-los que partem, velhos e novos.”
XXL. O tamanho do abraço que te quero dar. Apertar-te, sentir-te.
Para além do mar…