Élio Pereira
Élio Pereira
Por ser a minha primeira intervenção neste espaço, por ser profissional na área do emprego e por ter sentido na primeira pessoa, como imigrante precoce que fui, não poderia deixar de usar desta iniciativa do Diário de Notícias para associar tudo isso e, em jeito de homenagem, abordar do meu ponto de vista pessoal e profissional a temática da imigração em massa de venezuelanos, na Calheta.
Falar deles como sendo “os venezuelanos” parece estranho, mas quando se referem aos mesmos como se fossem refugiados fugitivos, a estranheza aumenta de tom.
Apesar de não ser o típico venezuelano, o sotaque ainda se sente em mim, nas veias corre a boa disposição típica e no coração palpitam lembranças únicas, pelo que fica tão fácil afigurar o que sente cada um dos novos vizinhos que vão preenchendo especialmente a freguesia da Calheta… famílias completas!
As dificuldades são grandes e crescem com o passar dos dias, mas a escassez de alimentos, medicamentos e segurança que transportam dum país endoidecido, procuram transformá-lo em abundância de trabalho, de sossego, de saúde… de esperança!
Muitos são aqueles que nem dinheiro puderam carregar na bagagem trazida. Alguns até nem bagagem! À chegada, as redes sociais são companhia contínua e rotina contante. Os cálculos são frequentes e a conversão da moeda são repetidos para os que pouco ou algum dinheiro trouxeram.
Para a maioria, novos termos surgem num vocabulário português pouco conhecido ou até desconhecido. O inglês é pior que chinês!
Jovens são muitos, mas os adultos em pré-reforma, habituados ao seu próprio comércio, são os que mais preocupam. Com eles recupero palavras recalcadas e designações, algumas de difícil tradução, como é exemplo “bodega”, “licorerias”, “bachiller”, “apostillar” (que levante a mão um colega que ainda não as conheça!)…
As habilitações são diversificadas, mas áreas profissionais não muito. Em comum, a consciência das dificuldades que os espera e a necessidade de se sujeitarem às oportunidades que possam surgir… porque elas surgem!
A adaptação obrigatória já dá os seus primeiros frutos. Na Calheta, engenheiros petrolíferos, advogados, informáticos e pós-graduados, sem pestanejar sequer, aceitaram aprender as diferentes funções da restauração e hotelaria, áreas estas que oferecem o maior número de oportunidades nesta freguesia e normalmente difíceis de preencher. De louvar as empresas que chutam ‘para canto’ as atitudes xenófobas e preconceitos, facilitando a inserção destas pessoas.
Empreendedores os que podem, é na gastronomia diversificada, única, deliciosa e apetecível que a Venezuela oferece, que alguns já tentam a sua sorte… Estou certo que os resultados bons não tardarão!
Pela presença assídua em largos meses, pela simpatia evidenciada em cada atendimento, pelo desespero que sei que sentem como os meus pais sentiram, pelo medo, pela fome e pela necessidade de saúde melhor, impacientemente estarei a acompanhar, insistir e persistir no apoio possível.
Se é cá que tudo parece querer renascer, então que a vossa garra bélica de “bravo pueblo” sobressaia com grandes e maravilhosas conquistas! Nós por cá agradeceremos!
“Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei!”