António Jorge Pinto
António Jorge Pinto
Ainda hoje há como que uma força magnética que me impede de prosseguir caminho sem fazer uma paragem obrigatória, espreitar para o interior da Quinta do Palheiro Ferreiro e deixar-me extasiar, nestes primeiros dias da Primavera, pelo cheiro inebriante das flores e plantas dos seus bem cuidados jardins.
Muitos dos momentos mais memoráveis da minha infância e adolescência foram vividos no mar e na serra. Os passeios de fim-de-semana em família faziam-se repartidos por esses lugares. Nos anos 70, os piqueniques na Quinta Palheiro, no 1.º de maio, deixavam qualquer criança feliz. Havia bola, a roda para o jogo do lenço e para o jogo do anel. O mar projeta-me para o Lido, Gorgulho e Ponta Gorda. A serra eleva-me para a Quinta do Palheiro Ferreiro.
Os passeios aos jardins da Quinta do Palheiro Ferreiro e o seu extraordinário património natural despertaram em mim, desde esses tempos de criança, o respeito e o gosto pela Natureza e pelas caminhadas a pé. Foi por causa da Quinta do Palheiro Ferreiro que fiz a minha primeira levada, precisamente o troço da Levada dos Tornos entre o Palheiro Ferreiro e a Camacha.
Não estava nas minhas intenções trazer Santo Agostinho para esta minha segunda crónica sobre a freguesia que escolhi para viver e cuidar da família, São Gonçalo. Mas lembrei-me da frase dessa personalidade universal “nenhum homem bom deve mentir” e abro aqui um parêntesis para agradecer publicamente à família Blandy a generosidade de ter escancarado a Quinta do Palheiro Ferreiro, de forma graciosa, a toda a população, durante décadas. Foi esse gesto que despertou em mim, desde muito cedo, o gosto pelo esplendor da Natureza. E São Gonçalo deve orgulhar-se de possuir no seu chão municipal uma das maiores preciosidades do Funchal.
Com o tempo surge, também, o refinamento. Há poucas coisas capazes de proporcionar tanto deleite como subir até à Casa Velha da Quinta Palheiro, num sábado primaveril de manhã, sentar-se na esplanada, estender a vista pela quietude dos jardins, fechar os olhos e ficar a ouvir o trinar dos pássaros.
Tenho insistido na necessidade de ser preservada a autenticidade de São Gonçalo por entender que essa condição é um dos melhores argumentos que a freguesia tem para exibir e se diferenciar de todas as outras. Mas há trabalho que tem de ser feito. Não no plano das obras que só estragam ou descaracterizam. O que São Gonçalo precisa tem muito mais a ver com a inspiração, os detalhes e os pormenores. É seguir o extraordinário exemplo da Quinta do Palheiro Ferreiro e procurar motivação no seu requinte.
Pensar em atividades e ofertas complementares no plano turístico, para gáudio dos que nos visitam e fruição dos próprios residentes, tirando partido de outras potencialidades que a freguesia exibe como nenhuma outra.
É preciso aguçar o engenho. Pensar, gizar e concretizar novas dinâmicas para a freguesia. Nuns casos resolvendo problemas concretos das populações, como, por exemplo, a urgente necessidade de um plano para a coesão territorial da freguesia, com ênfase para as acessibilidades e a mobilidade internas – um habitante de São João Latrão ou do Palheiro Ferreiro ou tem carro próprio para se deslocar ao centro da freguesia ou terá de utilizar os transportes públicos até ao centro do Funchal e apanhar outro autocarro de volta. Noutros casos dinamizando o potencial da freguesia.
O Roteiro dos Miradouros precisa de ser trabalhado com base noutro conceito, mais afoite e inovador. Cada miradouro de São Gonçalo é um balcão panorâmico sobre a baixa do Funchal. E só quem nunca assistiu ao pôr-do-sol a partir de um deles ou simplesmente desfrutou das vistas que proporcionam pode achar que nada mais poderá ser feito.
Há e é importante andar depressa. A Junta de Freguesia e a Câmara do Funchal devem desenvolver reuniões para os valorizar. Primeiro, com as empresas de animação turística, depois com as entidades regionais ligadas ao ensino artístico e às artes, a seguir com os hoteleiros. Para quê?
Simples: um miradouro, um concerto de 30 minutos, acompanhado da degustação de um cálice de vinho Madeira ou de uma poncha. Espetáculos ao entardecer, a partir da Primavera. Um postal único da freguesia! Com proveitos turísticos, económicos e sociais. Os concertos serviam ainda para mostrar a residentes e turistas o excelente trabalho que a Região tem realizado ao nível do ensino artístico e das artes. Temos muitos jovens com imenso talento.
É um imperativo de quem está no poder deixar um caminho de esperança às gerações vindouras. O que se exige de quem governa é que as suas decisões sejam úteis ao maior número de semelhantes. Até porque para fazermos o que está ao nosso alcance, só precisamos de uma coisa: vontade!