Susana Fernandes
Susana Fernandes
Sentada no meu degrau preferido, no terraço da minha casa em São Roque, apreciava o sol que se despedia do dia lá ao fundo por trás dos montes de São Martinho, e perdia-me em pensamentos e planos.
O toque do sino da Igreja de São Roque ressoava nos meus ouvidos em sintonia com a noite que caía sobre nós e acompanhava o ritmo da minha imaginação que se despedia das férias e já ansiava pelo novo ano letivo que se aproximava.
Não tinha feito viagens pelo mundo fora. Poucas vezes tinha ultrapassado os limites da nossa freguesia. Não tinha ido para nenhum campo de férias. Não tinha recebido nenhuma prenda especial por ter passado o ano com bom aproveitamento.
Mas o verão tinha sido espetacular, intenso e alegre.
Bastavam-me as poucas idas à barreirinha ou ao lido com os meus irmãos e ter podido exibir as braçadeiras novas que o mano trouxe de Canárias, com as cores da bandeira dos EUA. Eram diferentes de todas. Até cheguei a ir à praia dos Reis Magos, lá longe, no Caniço. Isso sim, era um passeio pouco comum e uma aventura enorme. Sem vias rápidas, parecia mesmo distante. E era especial!
Nesses verões saltávamos de quintal em quintal, pelas casas dos vizinhos onde nos perdíamos pelas tardes fora a inventar conjuntos musicais que montávamos e tocávamos e cantávamos. Construíamos mercearias que vendiam de tudo um pouco. No balcão improvisado havia milho estraçoado, grão-de-bico, arroz… O que a nossa imaginação conseguisse e a fazenda ou o jardim tivesse. E tínhamos o rol! A lista por vezes crescia e até acho que os pagamentos ficavam adiados para o verão seguinte.
E havia as escaladas às ameixieiras, o sumo das ameixas coloridas escorria pelo queixo, os diferentes sabores enchiam-nos a boca e os arranhões e nódoas negras iam dormir connosco.
Também havia os momentos de conversas, anedotas e gargalhadas, deitados sobre a erva à sombra da enorme pereira que havia no terreno do vizinho do lado, ou das vinhas já carregadas de uvas que mudavam de cor à medida que o verão avançava.
As aventuras estendiam-se pelos 3 meses e multiplicavam-se com o que cada um de nós, irmãos, amigos e vizinhos inventássemos.
Ainda faltavam as vindimas. Outro momento especial que nos deixava as unhas roxas durante vários dias. Novamente os vizinhos ajudavam uns aos outros. Os lagares eram poucos e era preciso pedir emprestado e marcar o dia e hora para pisar as uvas. Eu fazia parte do grupo que não metia os pés no lagar, nem podia pegar no podão, para grande tristeza minha. Era uma criança, que injustiça! Lá íamos nós de balde, atrás dos adultos que podavam os cachos e nós apanhávamos os bagos que caiam sobre a terra ou no terreiro. Não era para desperdiçar nada, nem um bago de uva. O reboliço era enorme e este trabalho era a festa de fim de verão para nós, crianças.
Agora, já de unhas novamente limpas é tempo de trocar os livros com os vizinhos ou de forrar aqueles que eram novos. O novo ano está mesmo aí a chegar.
Com a noite a cair, sonhava com os colegas que iria ter, que roupa escolheria para o primeiro dia. Interessante, ainda hoje, não percebi qual a importância da roupa para esse dia. Afinal não tinha muita variedade e íamos estar juntos tantos meses que os colegas me iriam ver com essa mesma roupa tantas e tantas vezes. Não, não sonhava com os professores ou com a matéria. Isso não era o mais importante. Depois veria e dava tempo.
Acho que é isso que se mantém em comum nos sonhos de fim de verão, das crianças e jovens, desde esse tempo até aos dias de hoje. Porque tudo o que fazia nas férias da minha infância, para eles, hoje, faz parte da história…