Sónia Gonçalves
Sónia Gonçalves
Antes de mais, confesso-me demasiado agarrada às tecnologias e atenta demais às notificações que deixo que o meu telemóvel me envie!
Contudo, assusta-me entrar nalguns espaços públicos, como cafés e restaurantes, e perceber que a convivência entre as pessoas (eu inclusive) muitas vezes é afetada pela necessidade de fazer selfies e vídeos que urgem ser publicados num imediatismo feroz! Como se fosse notícia de última hora. E esta comparação é-me inevitável por ser esta a minha área, por trabalhar com conteúdos que têm muitas vezes que vir a público no imediato, sob pena de perderem a atualidade.
Mas ainda mais grave é vermos que algumas crianças, desde cedo, criam uma dependência tão grande que os pais se resignam a lhes passar o tablet ou o telemóvel para as mãos rapidamente, ao mínimo sinal de choro ou ameaça de birra (embora confesse que pode dar jeito às vezes entretê-las…). Muitas vezes, nem é necessário haver um pedido/ameaça. Ao sentar-se, automaticamente passa-se o dispositivo para as mãos dos meninos. Como se fosse uma chucha ou uma espécie de calmante, o aparelho serve para entreter a criançada, que fica embalada até à adolescência (ou para sempre???), fazendo com que saiba manusear a maior parte das aplicações instaladas, conhecendo um infindável número de vídeos e de jogos. As consequências desta dependência são incalculáveis. Os entendidos já a assumem como prejudicial, por exemplo, à garantia de um bom descanso, ameaçadora de uma boa noite de sono, tão fundamental para os mais pequenos, e uma das principais razões para os adolescentes terem comprovadas dificuldades de leitura.
Mas não me quero armar em puritana! Eu própria já tive conversas sossegadas à conta de ter passado por alguns momentos para as mãos da minha filha um equipamento eletrónico… No entanto, tento sempre não exagerar, pois temo a possibilidade de se desenvolver algum tipo de dependência.
Como tal, faço questão de lhe proporcionar algumas brincadeiras afastadas das novas tecnologias. E é nesses momentos que me vêm à memória muitas das formas que passava o tempo na minha (pré-)adolescência no Jardim da Serra. Afinal, uma mãe tem que ser também animadora e alguns dos entretenimentos que ponho em prática remontam aos meus bons tempos passados nesta freguesia.
Numa altura em que não havia computadores, a Internet não tinha chegado à Madeira – muito menos ao Jardim da Serra – e ainda não tinham sido inventados as consolas de jogos, os smartphones ou os tablets, tínhamos de fazer alguma coisa para nos entreter!
Lembro-me de jogar à bola, ao “jogo do anel”, ao “lenço”, à “barra do lenço”, à “verdade e consequência” e até ao “Lá vai a obra” (quando os meus pais descobriram, apanhei um sermão tão grande que nunca mais me atrevi a voltar a jogar). Ao domingo, na casa dos meus pais, na de algum tio ou na casa dos avós maternos (a família é numerosa), alguns primos juntavam-se no “Lombinho” ou num terraço na zona da Cruz para fazer equipas e começar a diversão. No entretanto, brincávamos às casinhas e comíamos azedas. Era tão feliz! Não sabia, mas era! Não muito longe, os adultos jogavam à “Bisca” e a coisa parecia ser muito séria! Por turno, espreitavam o que estávamos a fazer. «Estão a brincar», dizia um deles ao regressar à mesa de jogo, descansado.
Quando a reunião familiar se dava por ocasião de uma matança de porco, pela altura do Natal, as brincadeiras eram ainda mais duradouras. Não havia aulas e os convívios prolongavam-se sempre até mais tarde.
E se não estávamos reunidos em família, até sozinha arranjava sempre entretenimento. Sou do tempo em que, não havendo água canalizada, as pessoas lavavam a roupa nas ribeiras e, no fundo dos poços naturais, ficavam uns restos de sabão em barra que se iam desfazendo. A água gélida conservava-os durante algum tempo e o meu desafio consistia em apanhá-los. Ficava com as mãos dormentes por causa do frio, mas não desistia facilmente… Só quando já não houvesse nenhum!
No verão, as cerejeiras faziam-me sombra nas minhas agradáveis leituras de verão. Contudo, na altura da apanha da cereja, o cenário era diferente, embora aprazível também. Não havia tréguas. Toda a gente ajudava a colher este fruto. Encher baldes e depois caixas ou cestos era o principal objetivo. Adorava colaborar: subia até ao topo das árvores e puxava os galhos mais altos. As mais madurinhas iam para a boca! «Assim não rende!», alertavam os entendidos.
Também me lembro de ter acompanhado o meu avô à ‘fazenda’ do Serrado, onde eram cultivadas batatas, batatas-doces, maçarocas, etc. Havia uma hora específica para a rega. Subíamos 45 minutos para chegar ao topo da montanha e regávamos, manta a manta, todos os terrenos. A minha importante tarefa era controlar a quantidade de água que se acumulava em cada “vala”. Às vezes, ele deixava-me “apanhar comida” para os coelhos e para o restante gado. «Toma conta do teu avô», pedia a minha avó, antes de partirmos. Cheguei a ouvi-la dizer às minhas tias que eu «não ia fazer nada», mas que não gostava que ele fosse sozinho! Não me importava. Adorava fazer a caminhada e observar a água a encontrar o seu destino.
Quem não tem saudades da infância ou da adolescência? Das brincadeiras com os primos, amigos e vizinhos? De se sujar na lama? De ajudar os avós? Estas memórias remetem-me para bons tempos passados no Jardim da Serra. Como ainda hoje muitas reuniões familiares acontecem neste cantinho aconchegador, para mim, este local é sinónimo de bem-estar, convivência e boa disposição. Também a minha filha esboça um sorriso quando lhe digo que vamos até lá. Às vezes, conto-lhe algumas das minhas peripécias e ela quer sempre saber mais! Também ela gosta de alguns dos jogos que fizeram parte da minha infância e contempla muitas vezes os avós nas suas tarefas diárias. Desta forma, tento que o seu contacto com os equipamentos eletrónicos seja mais moderado…