Susana Fernandes
Susana Fernandes
E as conversas perduravam e a cumplicidade e empatia resistia naqueles tempos complicados, pelas ruas de uma freguesia que acolhia os seus habitantes, felizes e solidários…
– Olá tudo bem?
– Ah, olá tudo bem…
Pronto! Assim está feita a conversa de hoje! O rasto da voz que fez a pergunta já se esgueirou na esquina desaparecendo na rua seguinte.
Ficou por dizer a resposta. Não deu tempo. Se repararmos bem (claro se houvesse tempo para tal), nem nos lembramos já de quem foi que nos dirigiu umas palavras e nós automaticamente replicamos com as mesmas palavras, e na verdade nem respondemos, nem queríamos ouvir a resposta. Não há tempo!
Não, não é como naqueles tempos… Hoje, todos corremos para tudo e para nada, hoje achamos que o amanhã chega antes do ontem e antecipamos a vida que depois não chega a acontecer. Pois, porque já não há tempo.
Mas, dá-me a tua mão. Vem comigo. Deixa-te percorrer as ruas da tua infância, onde nenhuma esquina escondia a voz do vizinho e levava as palavras sem resposta.
Naqueles caminhos em São Roque, ao subir o lombo, descer caminho do salão ou passar na rua da igreja, tínhamos todo o tempo do mundo! Parecia e dava mesmo tempo.
Na verdade não percebo como. Afinal a mãe tinha 11 filhos para criar, roupas que não eram metidas na máquina mas iam em cestas até ao ribeiro ou ao poço mais perto para arear, corar e lavar até ficarem imaculadas. Madrugava para o pai levar o almoço para o trabalho, fresquinho, acabado de fazer e não aquecido no micro-ondas. Pedalava na máquina de costura, transformando velhos casacos ou tecido baratos em viçosas saias, com pregas ou folhos. E a casa ficava limpa e arrumada e o chão brilhava e saíamos todos fresquinhos e aprumados para a escola ou para a missa.
Mas mesmo assim… pára! Pára aí. A meio caminho, a vizinha passa por nós e ninguém fica sem resposta. Olhamos nos olhos das pessoas, cumprimentamos realmente!
Quando retomamos a subida, sabemos se a vizinha está mesmo bem, se os filhos continuam com saúde, se o seu coração está alvoraçado porque um deles irá em breve para a tropa ou se rejubila de alegria porque arranjou um trabalhinho e já ajuda nas necessidades de casa.
E com a promessa de uma visita para breve, que se cumprirá, despedimo-nos na certeza de que podemos continuar o caminho descansadas. Os vizinhos, os amigos estão bem.
E isto não era se meter na vida alheia!
Não era coscuvilhice ou conversa de circunstância! Era cuidar! Era se preocupar! Era a comunidade! Aquilo que fazia a freguesia de São Roque, tal como outras naqueles tempos, um local de vivência e convivência. Não de isolamento, não de sombras a se esgueirar.
Talvez ainda haja ruas assim, talvez ainda hajam vizinhos assim. Talvez ainda se páre para ouvir a resposta, ali na subida do lombo ou noutra rua qualquer da freguesia de São Roque. Onde ainda existe esse cuidado mútuo de quem nada tinha, mas tudo dava.