Élio Pereira
Élio Pereira
Cristo ressuscitado, o tempo é de atividade no engenho da Calheta. Tradição ou não, esta periodicidade é habitual por cá
A acumulação de canas faz-se a passo de caracol mas o aglomerado de carros pesados, lotados de canas, mais parecem formigas.
O cheiro a canas-de-açúcar concentra-se nas proximidades da igreja matriz do concelho, templo que, paredes-meias com o engenho, ganha nova inquietação.
Dia 1. Meia-noite. Combustão a fundo. Estrebucham as máquinas. Aumentam as temperaturas e o som prolongado de partida, produzido por apito, que se confunde com os sinais originados por embarcações em manobra de navegação, estremece o silêncio da pacata vila.
Reza a história que a cana sacarina foi introduzida na Madeira em 1425, pouco depois da sua colonização pelo Infante D. Henrique (Infante de Sagres para os amigos), e que depressa se tornou sinónimo de sobrevivência dos madeirenses. Na Região, para os agricultores, o seu cultivo alimentou o fabrico de rum, álcool e a indústria do designado “ouro branco”. Na pecuária, as suas folhas ricas em elementos nutritivos para a alimentação animal, refletiu-se na produção de laticínios.
Com a Ponta do Sol a liderar o pódio, a Calheta surge no pelotão da frente como um dos maiores produtores regionais, numa caminhada de quase 12 meses desde a plantação da cana, até o apertar dos arcos, após a sua colheita.
Atualmente, neste engenho resistente, onde o moderno se mistura com autênticas relíquias, em museu interessante, a extração do sumo da cana sacarina, conhecido como “garapa”, enche a vista e a barriga com a produção de mel e dos seus apetitosos bolos de mel, e desfoca a vista e causa enxaquecas dos que consomem a tradicional aguardente de cana.
Pesam-se as canas em viaturas com autênticas pirâmides. O guincho descarrega e encaminha para engrenagens que, ao se entrelaçarem, trituram até as migalhas, fazendo das canas bagaço. Bica abaixo, o melaço escorrega até os poços onde, em repouso, fermentam antes da passagem pelo alambique, ainda antes de se tornar em poncha…digo, aguardente! Ao lado, o mel surge com o evaporar da sua água.
Homenageada mesmo ali, em hotel com a sua designação em latim, o trabalho árduo da sua transformação persiste sem interrupção, com repetidas mudanças de turno e auscultadores para evitar surdez. Quem por lá passa mesmo de noite, apercebe-se da atividade produzida sem intervalo, engenho dentro, madrugada fora.
Substituindo a igreja em romarias contínuas de turistas curiosos, este engenho, o único sobrevivente dos 3 já existentes nesta vila, por cá continuará a trabalhar ao longo de custosas semanas. No final, novo sinal sonoro anunciará o desejado descanso dos autênticos guerreiros. Visite antes!
Que me desculpem os historiadores e verdadeiros entendedores se falhei. Descendência de produtores e de ex-colaboradores desde engenho serviram como base.
Agora, enquanto espero pela festa e degustação do bolo de mel gigante, com aroma e qualidade únicos, que aqui é produzido para consumo no ano seguinte, o tempo é de destilação de novo… Poncha para que te quero!