Na Serra de Água, entre montanhas e tradições, a reportagem do DIÁRIO foi encontrar uma população reivindicativa. Esta freguesia do concelho da Ribeira Brava é, como tantas outras por onde temos passado, nestas reportagens no âmbito das ‘Autárquicas’, que terão lugar a 12 de Outubro, marcada pelo envelhecimento e pelo cultivo da terra.
Manuel Jesus foi o primeiro a aceder falar à nossa reportagem, no adro da igreja, onde se encontrava a ultimar os preparativos para a Festa de Nossa Senhora da Ajuda, que decorreu em meados deste mês de Agosto. “Para mim, graças a Deus, está tudo bom”, observou, recordando que os meses de Verão, este de Agosto em particular, atraem muitos emigrantes de regresso à terra que os viu nascer ou onde têm raízes familiares, com alguns a aproveitarem as festas religiosas para pagar promessas e matar saudades.
Apesar do tom positivo, o presidente da confraria reconhece algumas reivindicações antigas. Lembra, por exemplo, a questão da farmácia, que chegou a funcionar na localidade, mas até percebe o encerramento. “Muitos vão à Ribeira Brava, é lá que fazem compras e tratam da saúde”.
Manuel Jesus olha também para os terrenos que continuam a ser cultivados, sobretudo por idosos como ele. “É mais para consumo de casa, mas ainda se trabalha a terra. Dá boas colheitas”, embora por vezes venha chuva a mais… ou fogo a mais.
Mais acima, e depois de passarmos por alguns miradouros com vista sobre o vale da Serra de Água, sempre bem compostos de turistas, Oswaldo da Silva, funcionário do snack-bar e restaurante Boca da Encumeada, pede resolução a problemas de longa data.
“A estrada do Paul da Serra está fechada há mais de dois anos. Já falei com o senhor engenheiro das estradas da Madeira, mas diz que não há condições. Pronto, fica por isso mesmo. E nós, que dependemos dessa via, continuamos a perder movimento e clientes todos os dias”, lamenta. Por isso não estranha a opção de alguns operadores turísticos. “Autocarros e turistas deixam de passar por aqui porque dar a volta significa mais combustível, mais tempo, mais custos. Muitos nem vêm.”
A frustração aumenta quando compara a resposta das entidades públicas a diferentes eventos. “Se for o Rali, aparecem logo pessoas, camiões, máquinas, estradas pintadas. Tudo direitinho. Mas para o turismo, que é o sustento da ilha…”
O freguês também aponta a escassez de mão-de-obra no sector da restauração, o que muitas vezes obriga a reduzir o menu porque não há pessoal suficiente. “Há trabalho… Só que ninguém quer. Nem pagando bem. (…) A seguir à pandemia, muita gente mudou de vida, passou a trabalhar online. Esta vida é uma prisão de portas abertas”. Ainda assim, nos dias do Rali, de muito movimento, Oswaldo explica que o restaurante nem chega a abrir, porque diz que as pessoas deixam aquilo num “caos”, limitando-se a colocar uma barraca no exterior.
Em relação à política, num município que conta com alguns candidatos à liderança da Câmara, e sem evitar uma comparação com o país que o viu nascer e crescer, a Venezuela, diz que “isto ainda é um paraíso. Aqui tudo funciona. Mal distribuído, mas funciona”.
Também a residir na zona mais alta da freguesia, Oswaldo aponta que os prejuízos dos incêndios ainda se fazem sentir, com especial foco na paisagem que vai tardar em recuperar o verde que sempre caracterizou aquela vale ribeira-bravense. Expressou preocupação com a limpeza.
Um reparo também feito por Rosa Gonçalves, que encontramos a tomar café com a mãe de 92 anos, e não evitou algumas críticas a quem gere a localidade. Emigrada em França há 57 anos, voltou este Verão, como faz anualmente, ou até duas vezes ao ano, e encontrou um cenário preocupante. “Quando cheguei, parecia uma selva… uma Amazónia! Está tudo cheio de mato, ninguém limpa os caminhos.”
Apesar de verificar algumas melhorias, nomeadamente ao nível das estradas, porque “agora até o carro vai à porta”, considera que a prioridade devia ser outra. “A primeira coisa que fiz foi limpar tudo à volta do nosso muro. Tive três dias sem me mexer, já não estou habituada”.
Rosa relata ainda a falta de resposta da autarquia. “Há uma senhora no [sítio] do Pinheiro que está farta de chamar a Câmara. Já lhe disseram que era só ela que reclamava. “Isso é uma vergonha, ali mora gente, não são bichos”, lamenta, defendendo mesmo a criação de uma petição a apresentar para que as entidades tenham a limpeza dos terrenos como prioridade.
Outro dos reparos deixados por alguns dos moradores prende-se com a questão dos transportes públicos, cujas carreiras e horários não satisfazem as necessidades de quem precisa de se deslocar desde a localidade, seja para a vila, seja para os concelhos vizinhos.
Entre a tranquilidade de quem aceita o que tem e o lamento de quem se sente ‘esquecido’, o próximo acto eleitoral, cuja pré-campanha há muito se faz sentir no terreno, promete renovar a discussão sobre as prioridades e as promessas.
*Texto da jornalista Tânia Cova