Susana Fernandes
Susana Fernandes
Aceitas o convite? Tira os sapatos que te magoam e calça uns confortáveis, umas sapatilhas ou algo do género. Será mais fácil para subires comigo o caminho que vamos percorrer.
Não, não fica muito longe e será a oportunidade de recordar mais um espaço da bela freguesia de São Roque. Sim, esta freguesia que tem a seus pés a cidade do Funchal e que se esgueira pelas colinas acima, tendo como teto um verde penteado das árvores que a refrescam e protegem.
Hoje subiremos um desses caminhos que serpenteia por lá cima percorrendo a encosta até ao topo: o Caminho do Galeão!
Antes já atravessamos parte da freguesia pela Estrada Comandante Camacho de Freitas, aquela que praticamente divide a zona mais perto da cidade e onde existem a maioria das habitações, para aquela onde se acentua a inclinação e qualquer caminho é uma subida muito inclinada que vai terminar nas serras verdejantes.
O Caminho do Galeão só pode ser subido acompanhado das memórias daqueles anos em que todos os domingos o fazia… é um caminho de passos gravados no coração, de sorrisos de infância e de um rosto tão carinhosamente marcado pelas rugas, que nos aguardava lá no cimo… o terno, bondoso e belo rosto da avó paterna!
A subida iniciada na “Ponte do Medinas” pode até parecer assustadora pois não vês onde termina. O olhar dirige-se lá para cima mas esse receio evapora-se na ânsia de a percorrer.
Ali já cheira a serra! Vem, vamos subir!
Os eucaliptos estão lá para cima, mas de um lado e de outro do caminho é o verde das escarpas e das fazendas que nos envolvem, pontualmente interrompidos pelas casas que já lá existem. Não são muitas, nem são casas ricas, mas sim humildes e ricas casas. Há ainda muitos terrenos plantados de semilhas, feijão, couves, ou outros legumes que a época dá e cobrem-se das vinhas que em fins de agosto, inícios de setembro estão sempre preenchidas por graciosos cachos de uvas arroxeados que nos fazem crescer água na boca… De vez em quando o galho de uma figueira mais pendurada para o caminho faz-nos saltar a ver se apanhamos um figo para matar a gulosice e deixar uma sensação de comichão nos cantos da boca, pois quase que comemos a casca também.
Sentes as pedras por baixo dos teus pés? Não é regular, não tem alcatrão nem pedras harmoniosas, mas sim o calcetado que permite crescer ervas pelo meio e em que algumas mais bicudas parecem entrar na sola já gasta dos sapatos que nos transporta. Ah, mas a isso também já estamos habituados e ninguém reclama com o pai ou com a mãe.
Afinal vamos visitar a avó e os tios que vivem lá em cima, já pertinho das árvores. E a ternura da avó enche-nos o coração mesmo antes de lá chegarmos.
Ao domingo este passeio é tradição, e a cada passo que avançamos vamos ficando mais envolvidos pelo ambiente que nos rodeia. Ouvem-se cães a ladrar, mas também a vaca a mugir ou o porco que está a ser alimentado para a Festa, a grunhir. Sente-se o cheiro das pocilgas ou dos galinheiros e a subida continua numa mescla de sons, cheiros e vontade de lá chegar.
De mãos dadas para ajudar a subir ou então de costas voltadas para o cimo do caminho. Uau, o nosso olhar abarca todo o anfiteatro do Funchal que vai ficando aos poucos mais longe, mas também oferecendo uma visão mais ampla. Parece-nos que abraçamos a cidade. E lá vem o recado dos mais velhos: “Não andes de costas voltadas para a estrada que estás a ensinar o caminho ao diabo”! Não sei se é verdade, mas sei que nunca encontrei o diabo! Ao contrário da bruxa má que vive lá num palheiro perto da nossa casa. Sim, essa eu sei que existe, nunca a vi, mas é real! Os meus irmãos dizem que ela sabe quando eu não como e vai aparecer na nossa casa. E tenho medo. Mas se os irmãos dizem é verdade.
Ali no caminho do Galeão, não. Não existem bruxas, nem velhas más! Ali existe a avó! Ali existe o sorriso carinhoso da avó velhinha.
Chegamos lá acima cansados, mas felizes! Os primos também estão, os tios, as tias e somos muitos… e saltamos os camalhões. Claro, depois de cumprimentar todos os tios e tias e a nossa avozinha.
A tarde é de brincadeira, convívio, escutar histórias e saltar de casa em casa, pelo meio da fazenda, pisando os regos (com esperança que os tios não vejam), se escondendo e correndo uns atrás dos outros.
Ali no cimo do Galeão, na casa da avó que fica quase, quase junto às árvores que envolvem e ao mesmo tempo delimitam a freguesia de São Roque.
Um caminho de boas recordações, de passos gravados no coração, de sorrisos e memórias que cheiram.