Mara de Sousa Freitas
Mara de Sousa Freitas
– «Vem, vou fazer-te feliz!» Diz o menino com ar comprometido e tímido.
– «Já venho feliz de casa, obrigada!» Respondeu a menina, com um sorriso rasgado e os olhos brilhantes.
– Caminharam juntos, em silêncio: «Feliz!»… Ficou a ressoar dentro de cada um… «Feliz»![1]
A felicidade, aquele final de tarde junto à praia, as ondas a produzir a música que embala cada sorriso, ou cada lágrima – o silêncio que grita até transbordar. O simples contemplar do horizonte, as cores, o cheiro a mar. Aquele mar…
Aquela caminhada pela serra, em que cada passo permite admirar a Laurissilva e espantar-se com a beleza, com a unicidade, com a grandeza que subsiste no simples existir; aquela subida íngreme, que recorda a importância de estar onde estamos – a cada momento – e de olhar o caminho que estamos a pisar, sem grande preocupação com o cume da montanha – este será apenas o corolário de cada passo – firme e certo de querer conhecer e conhecer-se nesse caminho. Quem chega ao cume da montanha? Quem partiu, mas sobretudo quem chegou, outro tão diferente daquele que partiu.
Aquele momento; aquele abraço; aquele som; aquele cheiro; o ecoar daquelas palavras; aquele… O que acontece dentro de mim em cada experiência? O que vejo quando me revejo? O que sinto quando me permito sentir? “Quem sou? O que é que sou? O que é o Homem[2]?»
Será que a felicidade pode corresponder ao plano da exterioridade e estar na dependência da alteridade, do outro, dos outros, das circunstâncias? O que significa ser feliz para cada um de nós? «- Já venho feliz de casa!» Qual a fonte desta felicidade? E fazer o outro feliz?: «- vou fazer-te feliz!»
Pergunta – atrevida, certamente, – em dias, cuja cultura da felicidade pode resumir-se a encontrar «quem quer casar com o meu filho?»: Como vivemos a felicidade? Como ensinamos a felicidade? Como a partilhamos? «Quem sou eu e o que vai ser de mim?» O que vai ser de nós?
“À felicidade nada falta, ela é completamente autossuficiente. É uma atividade que não visa a mais nada a não ser a si mesma. O homem feliz basta a si mesmo”, recordou Aristóteles. Mas, então, será que «viver bem e fazer o bem» são ingredientes suficientes para uma vida feliz? Onde procuramos a felicidade? O que nos falta para ser feliz?
A vida simples da nossa aldeia e a sabedoria da história mostram que a felicidade está naquilo que ao final do dia – no silêncio – permanece, robustece, devolve, reconhece, unifica. A felicidade não está circunscrita àquilo que de bom e agradável nos acontece, mas sobretudo à forma como estamos livres nesse viver, no quanto entregamos de nós, se estamos inteiros nessa felicidade e se a experiência nos faz recordar o quanto mais plenos podemos estar. A felicidade diz muito mais sobre cada um de nós do que sobre o outro, as circunstâncias, o mundo e, por isso, acontecimentos análogos, de alegria ou tristeza, apresentam comportamentos e reações tão diferentes, de pessoa para pessoa.
Se a felicidade faz parte da essência de cada Ser, ela é uma possibilidade para todos e, nesse espectro de possibilidades, é necessário o caminho do encontro com aquilo que faz cada um tornar-se aquilo que é. Apenas o que somos pode revelar, no mundo, o sublime e o autêntico. Apenas o olhar genuíno do Ser pelo Ser pode transformar, no outro, o prazer de Ser quem é, logo de Ser Feliz, pela única razão da felicidade como propósito do Ser.
Felicidade e liberdade constroem o seu caminho e desvendam outros atalhos, do início até ao final da Vida. A ausência de liberdade, assim como a ausência do sentido dessa liberdade, priva o Ser de tornar-se quem é, transformando-o num estranho a si mesmo e limitando as suas oportunidades de felicidade.
– Avô, hoje um amigo disse-me que queria fazer-me feliz. Eu agradeci, e disse-lhe que já vinha muito feliz de casa. Achas que fui indelicada?
– Minha «senhora» pequenina – respondeu o avô enquanto a sentava ao seu colo -, lembra-te sempre da pureza destes sentimentos, das razões que te fazem sorrir, do quão sublime é esse teu olhar quando passeamos e contemplas a beleza que está em teu redor. Da beleza que colocas nas coisas mais simples [todas as noites quando olhamos o céu – através de ti -, a lua e as estrelas ganham uma beleza incomparável].
– Sabes – minha querida -, és muito pequenina e já aprendeste tanto… na verdade essa beleza vem de dentro de ti, podes e deves sempre partilhá-la, como fizeste com o teu amiguinho, como fazes comigo, como deves fazer com aqueles que são especiais para ti -, mas nunca podes permitir que a beleza seja outra coisa que não o simplesmente belo, dos teus olhos, do teu coração e de mais ninguém, compreendes? Exclamou o avô na desconfiança da sua compreensão.
– Avô! Vou contar-te um segredo – só nosso -, sim?
– Claro, minha «senhora» pequenina!
– Tu és tão bonito!
[1] https://rossanaterapeuta.com/2018/07/14/venho-feliz-de-casa/
[2] Pedro Laín Entralgo