António Jorge Pinto
António Jorge Pinto
É um desmoronar avassalador que nos deixa aturdidos. Da política à economia, do ensino à cultura, do jornalismo à justiça, do ambiente à segurança, das coisas mais substantivas às mais insignificantes, nada parece escapar a uma evidente degradação da qualidade humana. No centro de tudo isto, como é óbvio, estão as pessoas. E conhecer pessoas, no sentido mais literal da palavra, passou a ser um dos maiores enigmas da vida.
Poderá parecer exuberante da minha parte, mas não sei até que ponto não deveríamos utilizar a proximidade do poder autárquico, em especial o das freguesias, a relação privilegiada com as populações, as instituições de ensino informal, culturais e sociais para desenvolver aprendizagens e conhecimentos que nos permitam voltar ao tempo da “palavra dada, palavra honrada”, da cidadania responsável, e inverter esta tendência da sociedade para o niilismo.
O trabalho de formiguinha que as freguesias fazem ao resolver problemas reais das populações com maior celeridade é, na minha opinião, um bom começo para que se volte a ter confiança nas pessoas. Mas é imperioso que os principais rostos e líderes das freguesias sejam pessoas credíveis e sérias, que não desapontem os seus concidadãos.
Estou convencido de que a melhoria das condições de vida nas freguesias é fortemente influenciada pela qualidade humana dos seus habitantes, no geral, mas sobretudo dos seus decisores, em particular. Espero que na freguesia de São Gonçalo se consiga caminhar nesse horizonte, colocando sempre o bem comum e o sentido do coletivo acima de quaisquer outros projetos ou objetivos.
Se isso acontecer – e a minha parte não deixarei para os outros – a população da freguesia não terá motivos para desconfiar das suas lideranças e poderá empunhar orgulho por não contribuir para o farisaísmo que campeia na sociedade.
O povo costuma dizer na sua infinita sabedoria que “o mais difícil é conhecer pessoas”. É, na realidade, um desafio que tem tanto de aliciante como de frustrante. Aliciante no que respeita à diversidade humana que, quando respeitada e apreciada, abre-nos perspetivas e ângulos diferentes da vida e do mundo. Das coisas e dos lugares. Torna-nos mais solidários e universais. Mente aberta e culturalmente mais evoluída.
As diferentes opiniões que cada um de nós tem sobre uma mesma questão, o mesmo assunto, sobre a própria realidade e factos, mas também em relação às coisas comuns da vida, como o afeto, a emoção, o sentimento, a paixão, o amor, a amizade, a solidariedade, o bem-estar, a satisfação e a partilha, o medo, o ódio, a raiva, a coragem e a determinação, enfim sobre a matéria de que todos somos feitos, repito, quando esta diversidade é respeitada e a panóplia de opiniões aceite como luz que ilumina as nossas decisões, acredito que lá no fundo da nossa essência estaremos a fortalecer a nossa humanidade. Isso fará toda a diferença no momento de decidir. Seja num governo, numa junta de freguesia ou numa empresa.
Quem não for capaz de conviver com a diversidade nem se relacionar com a diferença, deve aceitar que não está preparado para ocupar lugares de decisão, mesmo que seja na cadeira de uma modesta coletividade da freguesia. São os homens que fazem as instituições. Se a qualidade humana for ruim, dificilmente a instituição será boa.
É por isso que conhecer pessoas também é um processo frustrante. Quantos de nós já nos sentimos enganados e desiludidos com pessoas que aprendemos a admirar e a respeitar, mas que se revelam os verdadeiros estafermos que são quando destapam a sua verdadeira personalidade.
Toda esta minha lengalenga sobre a condição e a qualidade humana é, reconheço, uma provocação, um exercício que quero partilhar convosco, por estar convencido de que temos condições para construirmos comunidades mais felizes, laboriosas, autónomas e interventivas, desde que cada um de nós faça a sua parte e não se deixe enlear nesta teia urdida por pessoas que não praticam aquilo que exigem que os outros façam.
Eduardo Lourenço, filósofo e pensador, diz que “nós precisamos de um espelho o mais diferente possível de nós para poder medir melhor do que somos e não somos capazes”.
É uma versão filosófica bem elaborada do popular “espelho meu, há alguém mais bonito do que eu?”, que encerra o narcisismo e a teatralização das pessoas que utilizam a esperteza para manipular e esconder os verdadeiros sentimentos, pensamentos e opiniões.
O que nos valoriza e credibiliza é a obra que cada um realiza à dimensão das suas responsabilidades e competências, em conjugação com a bondade, a generosidade e a honestidade. O trabalho autárquico é um campo aberto para quem realmente interpreta a vida como realização coletiva. Gostaria de ver os autarcas de todas as freguesias pugnarem pela diferença. No que diz respeito a São Gonçalo, há sementes, clima e ambiente para fazer prosperar a freguesia em todas as áreas.
A talhe de foice, aproveito para lembrar que a 19 de julho perfazem seis anos que ocorreram os pavorosos incêndios que queimaram várias zonas do Palheiro Ferreiro, colocaram habitações em perigo e obrigaram muitos residentes a abandonar as suas casas. Foi um fim de tarde e uma longa noite de medo e sofrimento que, ao contrário de outras desgraças recentes, não teve cobertura mediática das televisões. Mas não foi por isso que deixou de ser uma tragédia, nem faz esquecer a falta de socorro que só chegou tarde e mal. Mas é com certeza por falta de cobertura mediática que seis anos depois está tudo na mesma. Não há limpeza do matagal, os terrenos voltam a estar cobertos de infestantes, não houve reforço de meios de prevenção nem formação para as populações. Está tudo na mesma, menos o trabalho meritório dos moradores, que desde então limpam frequentemente os espaços à volta das casas. Há dias, a Junta de Freguesia de São Gonçalo fez o seu trabalho, espero que o Governo Regional e a Proteção Civil façam o seu. O calor está para breve!